quinta-feira, janeiro 31, 2008

Pungente

Adoro esta palavra. Adoro mais ainda guardá-la e usar somente em ocasiões especiais, como ao ouvir aquela música tão bonita que toca com um dedo dentro da alma da gente ou que expressa, com a melodia e as palavras certas os medos, desejos e esperanças de uma geração inteira. Nessas horas eu gosto de suspirar devagar e dizer:
... pungente!

sábado, janeiro 19, 2008

Não consigo parar ou seguir...

Estou novamente criando uma história em quadrinhos.
Já são três, inconclusas. São legais, boas mesmo (modéééstia à partee) mas não tenho ânimo de me dedicar a desenhar tão bem assim...
Algum desenhista se oferece?

Os Caminhos se Fecham em Esperança


Vou narrar então o último espisódio de Esperança.
Tudo começou há mil anos atrás, na luta entre o herói lendário Yusuke e o dragão de Kishimoto, terrível devorador de gente e de ovelhas, que deitava fogo sobre tudo o que via e podia carregar um elefante nas patas. Mas foi preciso apenas um único golpe preciso da espada de Yusuke para derrubá-lo dos céus para sempre. A espada era tão afiada que dividiu a garganta do dragão de Kishimoto em duas, separou suas costelas, fendeu sua vértebra, partiu em dois nacos gigantescos de carne o rabo compridíssimo e, dizem, dividiu o céu. Yusuke, do chão, pulou na direção do monstro que descia em rasante, garganta aberta pronta para devorar, e orquestrou o preciso e intrincado golpe com a lâmina. Era a Rachadura Celestial, movimento que nenhum outro espadachim de nenhuma outra parte do mundo conseguiu realizar antes ou depois em todos os tempos.
Mas e Esperança? Esperem, esperem, que ainda vamos chegar lá. A história precisa ser narrada do princípio. O corte único da espada de Yusuke partiu o céu acima do dragão e provocou a Fenda vertical, que se estende neste exato e preciso momento sobre os céus de Manila. Dizem os astrônomos que a Fenda é fixa no céu, e que, com o movimento de rotação da Terra, ela está sempre se mudando de lugar. Ou melhor, estamos nós sempre nos movendo enquanto ela fica firme.
Setecentos anos depois de Yusuke matar o dragão, havia um Rei;
- Um Rei? Que Rei?
Como assim, não são todos iguais?
Enfim, o Rei (este rei, aqueles reis), sentado em sua torre, apontou pela janela e perguntou aos seus filósofos: O que é aquilo?
- Aquilo meu senhor, é a Fenda.
- Quero-a para mim.
- Mas senhor...
Os filósofos foram expulsos do salão real sem poderem explicar. O Rei, apaixonado, olhava o céu de sua janela, até que percebeu:
- Está indo embora!
E mandou um destacamento de soldados buscar a Fenda e segurá-la para que não fugisse.
General Abas, um gigantesco crocodilo em uma armadura vermelha como sangue, foi designado para a missão. Ele havia conquistado a inexpugnável Trópia, derrotado a Cavalaria Inderrotável e perseguido todos os hereges do reino com sucesso. Seria de se esperar que capturasse a Fenda também. Abas e seu exército de lagartos, mariposas, ratazanas e cobras, partiu cruzando o pântano infinito de Oggdur, superando os Montes das Estrelas e invadindo o cerrado multicolor, onde esperava finalmente alcançar o seu prêmio. Mas nunca chegaram. Enquanto descansavam no capim verde e vermelho, um monge andarilho se aproximou e pediu um pouco d`água.
Abas tinha um lado bondoso também, por debaixo da armadura, e concedeu sua própria cabaça para o monge beber.
- Muito obrigado, respondeu o andarilho. Gostaria de ouvir umas palavras?
O monge discursou com simplicidade. Se alguma vez houve um registro de suas palavras este já se perdeu. O que sabemos é o efeito profundo que o discruso do andarilho provocou no exército. Sem exceção, as criaturas foram tocados pela sabedoria e compaixão.
Atônitos, os soldados do terrível exército de Abas perceberam que estavam na presença de um homem santo, senão o próprio Despertado. Imploraram-no que continuasse seu discurso, que nunca parasse de falar. Após escutar as palavras do homem santo, o próprio general Abas arrancou a armadura vermelha do corpo e lançou ao chão todos seus pertences. Abandonou o reino, o nome e tudo o que tinha para seguir o monge e ser como ele. Junto ao seu general, o exército inteiro desertou, deixando o cerrado multicolor vazio outra vez, exeto, talvez, pela poeira dos retirantes e pelos pequenos seres de olhos grandes que habitam os arbustos.
Enquanto isso, o Rei se desesperava em seu palácio. O que vou dar de presente para minha filha Ashoka, tão bondosa, se meu exército não volta?
Ashoka era sim bondosa, mas não se importava nem um pouco com a Fenda ou com a Guerra. Toda vez que seu pai destruía algum reinado em sua conquista, Ashoka seguia imediatamente atrás com seu exército próprio, feito de médicos, enfermeiras, arquitetos e cozinheiros para ajduar as pessoas a reconstruírem suas casas e sobreviverem à fome e à peste. Tentava em vão convencer seu pai a parar com a Guerra. Ameaçava fugir de casa, se matar, casar-se com um pretendento muito feio e muito pobre, mas de nada adiantava. Para consolá-la, o Rei iniciava novas empreitadas atrás de presentes magníficos, que invariavelmente levavam à mais guerra e destruição, isto é, até o dia em que Ashoka, a bondosa, Ashoka, a princesa, vestiu uma armadura completa e foi vencer sozinha o exército do Rei em um campo de batalha, para que não houvessem mais mortes. Mas esta é outra história.
O pingente que Abas usava no pescoço - esta sim é a história - fora um presente da princesa Ashoka. Quando abandonou seus objetos, o general crocodilo também se desfez do pingente, que acabou caindo em um lago escuro, onde só habitavam sapos. Um dia, um certo tempo depois, um jovem rapaz que veio caminhando de um país muito distante parou perto do lago para descansar e adormeceu. A ninfa que morava naquela fonte imediatamente se apaixonou pelo jovem deitado e pescou, do fundo da água escura, o lindo pingente.
Ao acordar, o mercador viu o brilho em seu pescoço e ficou maravilhado. Continuou seu caminho contente até que, quando estava entrando no mercado de Bagdá, ouviu uma voz saída do pingente dizer-lhe que devia comprar as maçãs na tenda de Isaque e vendê-las na tenda de Mussa. Era a ninfa, aconselhando-o. O jovem mercador assim o fez e ganhou uma certa quantia de moedas, nem muitas nem poucas. Como um bom mercador que era, descobriu o que podia fazer para ganhar dinheiro mais rapidamente. Pegou o pingente e vendeu-o à um mágico por muitas moedas; trocou as moedas por um lindo vaso, com o qual fez um excelente negócio e entrou no ramo imobiliário de Bagdá. Ficou rico, engordou, ganhou uma fortuna fabulosa e nunca mais pensou em ninfas ou em magia.
Foi assim que se fundou o mercado ambulante de Ogd. Aquele que pertence à vários planos e ao mesmo tempo a nenhum; aquele que tem exatamente o que você mais precisa no mundo, para o bem ou para o mal: aquele ao qual só se vai uma vez na vida; aquele, cujo primeiro item vendido foi uma ninfa presa em um amuleto, por um mago verde do oeste. Mas sua história será contada apenas cem anos depois, e começará na cidade de Justa, um porto. Miguel, um jovem marinheiro, abriu a porta de sua casa para sair para a rua e quando percebe, não está na rua. Está em Ogd.
Encontra, na barraca do Rei dos Ciganos, exatamente o que mais precisa no mundo: uma poção que fará Emília se apaixonar por ele, a ponto de deixar o jovem tenente Carlos. Cego pelo ciúme, Miguel comprará a poção, mas se esquecerá de previnir que Emília olhe para Vítor, o pobre carregador do porto, e se apaixone perdidamente. Perseguidos pelas duas famílias mais influentes de Justa, a de Miguel, o jovem marinheiro, e a de Carlos, o jovem tenente, o casal é obrigado a fugir.
Emília e Vítor embarcam escondidos em uma noite escura e saem Oceano afora. Passam por várias aventuras e várias histórias, cruzam com o gigante Adão, conhecem a terra dos opostos até chegarem à Abadia de Cristal, quase no ponto extremo do mundo.
Lá foram recebidos pelo Arquimago de Lunaria e se tornaram hóspedes de horna. Seus felizes descendentes - era justamente deles a história que eu queria contar - continuaram a morar na Abadia até os tempos de Hollo Christine e da praga de crocodilos. Jack Sortudo, bisneto de Emília e Vítor, seria o triste homem sem sorte alguma que desencadearia os desastres do lunetar.
O lunetar era o objeto guardado pela Abadia, sob mil segredos. Através de outras histórias ele foi parar lá, e foi culpa do pobre Jack Sortudo que ele saiu da proteção dos monges e do Arquimago, direto para as mãos de Obã, o cruel rei da chuva.
Foi numa tarde quente e preguiçosa. Jack cuidava das ovelhas e sonhava com o movimento das facas e espátulas da cozinha, supervisionados por madame Chambon, a roliça e atenta cozinheira-chefe que o impedia toda vez que tentava roubar algum pedaço de pão escondido. Lá, onde a ponte de Kalima cruza o rio veloz e escuro, Jack havia deixado os carneiros descansando. Do lado contrário vêm um estranho viajante, de capa escura e barbas longas, a dar-lhe um ar sinistro e nada amigável.
O viajante pede um favor: sendo de coração puro poderá ajudar um pobre senhor a recuperar o artefato que perdeu na Abadia de Cristal, um simples lunetar de ouro; bonito, porém sem valor algum.
Jack sortudo foi contagiado pelo feiticeiro Obã em seu discurso e se dispõs a pegar o lunetar para o velho que já lambe os beiços de antecipada excitação. Com o lunetar, Obã não somente controlará a chuva, mas também será o regente tirano de toda tempestade, vendaval e trovão. Por isso ele antecipa seu novo poder com tanta ganância.
Jack, o azarado Jack, que não podia servir em nenhum dos postos da Abadia por ser atrapalhado demais, que mesmo cuidando de ovelhas encontrava meios de se encrencar, foi até o altar central e pegou escondido o lindo artefato de ouro. No caminho, derrubou, de tão nervoso que estava, os cinco potes de leite que madame Chambom havia empilhado. Correu assustado até a pradaria para devolver ao velho seu instrumento quando, quase chegando, no cara do próprio Obã, tropeça e deixa cair o lunetar no claro e caudaloso rio das ovelhas, que o leva colina abaixo e depois para longe.
O rosto do feiticeiro se alongou até o limite, suas mãos ainda estendidas para o vazio. Gritou e gritou contra o rapaz, até ficar rouco e o campo inundar de tanta chuva. O Arquimago de Lunaria foi atraído pelo barulho e correu até onde Jack Sortudo estava, desmascarando o cruel Obã e afastando-o de perto da Abadia.
- É da maior importância que o lunetar não caia nas mãos de homens como ele - instruiu o Arquimago - Por isso você deve garantir que o instrumento fique à salvo, nem que seja necessário ofertar sua própria vida.
Jack assentiu assustado e partiu para cumprir a missão que o Arquimago de Lunaria lhe confiara. Atrás dele foi mandada a Ordem dos Copos Virados, uma secreta e poderosa liga de cavaleiros mercenários habilidossísimos.
Do outro lado, Obã mandou os Corvos das Trevas, também uma sociedade de mercenários habilidosos, destinados a recuperar o que o rei da chuva pensava ser seu.
O encontro se deu no planalto de Dercã. O choque foi violento e horrível. Não sobrou nenhum homem vivo de nenhuma das duas facções. Ainda hoje os habitantes de Dercã colhem frutas-coração das árvores-de-sangue que nasceram dos corpos mortos.
Sobrou, naturalmente, Jack Sortudo, que encontrou o lunetar ao se sentar sobre um arbusto e cair acidentalmente em um espinheiro. A dor o levou até um pequeno riacho, onde podia-se ver um brilho dourado entre os seixos.
Porém, quando trazia o lunetar de volta à Abadia, colocou-o no bolso furado e perdeu-o nos arredores de Ijul, o vilarejo dos fabricantes de feno. Mas não houve problema. Obã, o cruel rei da chuva já havia morrido poucos dias antes de uma gripe terrível, e seu reino foi dividido entre seus generais, depois anexados ao Império Malthusiano e hoje poucos conflitos esporádicos - a maior parte pela independêcia e nacionalização das províncias - são seus únicos problemas.
Em Ijul, o dono de uma taverna encontrou o lunetar quando levava o lixo para fora e resolveu dar à sua filha, que o deu a um viajante passageiro por quem se enamorara. Quando chegou em sua cidade natal, o viajante deu o lunetar para sua professora de piano, que lhe inspirara a jornada. Esta deu ao seu marido, que o deu à sua segunda esposa, que o deu ao seu amante, que morreu, infiel e infeliz, em um naufrágio na costa da Bretínia em uma tempestado imprevisível e providencial, pois regou a horta de todos os camponeses saalianos e garantiu a eles alimento durante o verão seco.
O lunetar desceu pelas ondas até a praia de Amália, onde habitava uma sociedade veneradora do ouro e, sendo feito do precioso metal, foi venerado durante dois anos até que foi secretamente roubado por um ganancioso senhor de bigode de morsa que passou a venerá-lo sozinho em casa até que chegou em Amália o Cardeal e o senhor de bigode de morsa presenteou-o com o instrumento. O Cardeal, na verdade um espião duplo, passou-o ao diplomata do reino inimigo, que foi roubado e decapitado por um ministro invejoso - um homem de capa escura que não se importava com o sangue em sua espada, mas com a honra em sua casa, e que acabou empregando o lunetar em seus esquemas pérfidos até que perdeu-o para um camareiro ladrão que fugiu até um reino onde veneravam a prata, onde, sendo dourado e portante desprovido de valor, o lunetar passou a ser um brinquedo de criança.
Quando o clima mudou e a população do reino onde se venerava a prata migrou para o sul, o lunetar foi deixado de lado e esquecido em uma mata, onde um mendigo desgraçado cuidou dele e se tornou seu gentil e curioso guardião, até o famoso incêndio da floresta de Cortésia, que o afastou do lugar e deixou o instrumento nas mãos de esquilos e cervos inocentes.
A passos lentos surge então nosso último personagem. Ou penúltimo, se preferirem. É um viajante, que caminha hesitante pela floresta de Cortésia. Ergue os braços, confuso, murmura consigo mesmo. Está à procura de algo.
Ele encontra, fascinado, um lindo objeto dourado no chão. O lunetar aponta para uma direção à sua frente e ele segue. Vai caminhando para onde aponta o instrumento.
Sai da floresta e percorre um árduo caminho pela montanha. Atravessa as pedras com difculdade: há tantas pelo caminho! Mas é guiado por um instinto poderoso, uma fé na estrada e em sua possibilidade de dar-lhe o que procura. Não há nada que pode demovê-lo de seu intento.
Chove, o céu se enche de tempestades onde urram gigantes e trovões.
O viajante segue, e chega ao vale. Percebe então que não precisa mais procurar. O que quer que busque está ali.
No dia seguinte, passada a tempestade, resolve conhecer o lugar. O mar está agitado, as folhas das árvores mais verdes. O céu tranqüilo.
Ele pegua frutas nas árvores, limpa-se no riacho. Segura um graveto nas mãos e com ele risca o chão. O viajante delimita os limites de uma casa.
Será a sua casa dali em diante. É grande o esforço de construir uma casa, mas ele sabe que conseguirá. Continua a riscar com o graveto, mas agora assinala os limites das casas de seus vizinhos, da biblioteca, da casa do burgomestre, do forte, do porto, do farol e da igreja. Surgia uma futura cidade. Seu primeiro objeto, instalado na sua primeira prateleira será o pequeno lunetar.
Depois de ver o resultado, o pequeno viajante começou a recolher lenha. Precisaria de muita para receber com um fogo quente os novos caminhantes que logo chegariam ali. Por qualquer motivo especial, ele logo havia percebido, era por aquele vale que passaram e passariam sempre todos os viajantes do mundo, não importando qual a jornada.
Portanto haveria sempre companhia!
Feliz, ele exclamou:
- Será uma cidade, e se chamará Esperança. E unirá todos os homens por um laço invisível, imaterial, dourado e fluido, que nunca se romperá e que difcilmente se deixará ver.
E existe até hoje, escondido não se sabe atrás de quais montanhas, talvez de toda montanha, o vale onde habita o fio que une tantas histórias diferentes, chamado Esperança.