quinta-feira, maio 31, 2007

Nós somos, nós fomos

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Quando Charles olhou em volta não havia mais nada. Aquela história antiga, aquele sonho de infância, a estrada chegara ao fim.
Acho que acabou. Será essa a última vez que percorro a água silenciosa da baía e vejo o verde puro da floresta refletido pelo mar? Um último passo, o medo de terminar.
Não, nada de cair em ilusões de que poderia durar para sempre. A infância acaba, você sabe. Aquilo de antes é traído e nos transformamos no diferente.
Mas quem disse que a adorável memória não pode nos ajudar? Se fechar os olhos, Charles vai perceber que sempre esteve lá. Que essa parte do passado vai sempre sempre existir.
Então vamos sorrir e tentar nos despedir da melhor maneira. Há um certo receio de nos desfazermos de nossos sonhos; que curioso quando as coisas mais importantes para nós se tornam somente outras coisas, coisas antigas, deixadas de lado.
Ah sim, quando eu era...
Foi uma risada, foi uma lembrança. Acho que faz sentido tudo terminar. Mas que dor, mas que pena. Nós éramos deuses! Corríamos por pedras, dancávamos sob a lua. Agora temos que andar no chão, na rua, com nossas próprias pernas e lidar com o mundo adulto. O atarefado e fixo mundo adulto.
Mas afinal, por mais que deturpem e modifiquem o lugar de nossa infância (e essa é a parte mais triste: vermos que as pedras especiais são mudadas de lugar, as casas coloridas sendo pintadas de branco, os cachorros atirados em um canil qualquer e que o túmulo agora não passa de uma escultura posta ali) ele vai, em alguma parte de nós, continuar.
Afinal, Home is where the Heart Is.

Me desculpem pelo discurso piegas. Acho que há um terrível último passo em todas as ações.

O Mistério da Máscara Javanesa - Parte 2

- Parece que vocês estavam se divertindo bastante neste fim-de-semana - comentou Desmond na varanda principal - É uma bela casa, sem dúvida. Lord Hugo era um sortudo por poder custear uma propriedade no campo como esta.
John Locke, o misterioso e calado homem careca, sorriu de volta. Estavam os dois sentados, sozinhos na varanda, observando as belas árvores do chamado countryside inglês. Ah sim, pensou Desmond, a verde e aprazível Inglaterra. Belo lugar.
- Foi um adorável fim de semana - concordou Locke - Uma pena que terminou assim.
- Claro, - concordou o detetive - Porque matar a galinha de ovos de ouro, certo? Acha que mataram o pobre coitado por algum motivo? Raiva, vingança pessoal?
- Tudo acontece por um motivo, senhor investigador.
John Locke sorriu misteriosamente, olhando-o de soslaio. Desmond não conseguia se sentir confortável com um cara desses por perto. Muito metido a sabido para o gosto dele.
- Então você concorda que foi um de vocês que pôs uma bala na cabeça de seu anfitrião?
- O assassinato de Lord Hugo foi infeliz e terrível e não vejo razão em um ato tão negro. Eu realmente espero que você consiga alguma resposta para sua busca. Mas saiba que está mexendo em território perigoso.
- Acha que o assassino pode vir atrás de mim? - zombou o confiante Desmond.
- Não é disso que estou falando. Como eu disse, tudo acontece por um motivo. O assassinato de Lord Hugo foi o sacrifício que este lugar exigiu. Você não pode sentir no ar e nas árvores? Este é um lugar especial, cheio de significados. Ninguém constrói uma mansão dessas e sai impune.
- Acha que os espíritos ficaram zangados?
- Acho que a morte é o Destino de todos nós. Não sei se vale a pena investigar mais a fundo: sinto que somos inocentes.
- Talvez o senhor Locke acha melhor que eu interrogue aquele carvalho ali. Ou então, espere! Acho que vi uma raposa suspeita circulando a paisagem.
John Locke sorriu de volta.
- Só estou dizendo que este lugar não é normal.
- Eu que o diga - disse Desmond - Mataram o pobre Hugo com um tiro na cara. O que houve aqui foi um ato sórdido cometido por alguma pessoa. Se ele é o sacrifício exigido pelo seu sucesso, então me diga mr. Locke, quem foi o executor deste ato? Quem puxou o gatilho em nome do ritual?
O homem careca olhou ao seu redor. Procurando alguma resposta, pensou Desmond com raiva.
- Eu não sei - disse por fim John Locke.
E Desmond foi embora.

Lady Littleton estava preocupada, abanando o leque apressada para se sentir melhor. Ao seu lado, Desmond observava suas reações enquanto conversava com Miss Austen, uma americana muito bonita, chamada pelos outros de Kate apenas.
- Foi terríver, todos nós sentimos falta dele - concordou Miss Austen enquanto Lady Littleton afogava um choro. - Não consigo imaginar porque fariam isso. Quer dizer, todo mundo pensaria imediatamente no dinheiro, mas não acho que Lord Hugo teria deixado especificamente algo para nós, ou mesmo se lucraríamos com sua morte. Não há razão para matarem alguém como ele.
- Ele sempre me fazia rir... Quando estávamos tristes e desesperados, você sabe...
- Eu entendo, Miss Littleton - disse Desmond, observando muito mais do que devia.
- Pode me chamar de Claire - ela pediu. Uma moça tão delicada, tão simpática! Seria impossível que ela fosse a assassina fria e cruel.
- Neste caso, Miss Kate Austen - prosseguiu Des na conversa - Qual você acha que seria o motivo?
- Eu não sei. Mas se quiser ouvir o que eu penso... - enquanto ela se inclinava para mais perto do detetive para falar, Desmond pensou ter visto um gesto de aviso vindo do médico, encostado na parede da saleta. Bruscamente, Kate parou de falar e voltou a posição normal - Me desculpe, eu não deveria ter dito nada. A verdade é que eu não acho justo que alguém tenha acabado com a vida de um grande amigo nosso.
Foi um gesto tão rápido, tão simples. Que tipo de ordem o Dr. Jack teria dado a Kate para que ela se calasse? Alguém estava enganando Desmond, e ele não gostava nada disso.
Lady Claire Littleton recomeçou a chorar baixinho e Kate Austen dedicou-se a consolá-la. Desmond olhou com suspeita para o médico e voltou-se para a doce garota:
- Não se preocupe, minha querida Lady Claire. Eu prometo que pegarei esse assassino, e que ele terá o que merece.
- Muito obrigado senhor detetive. Só de pensar que ele pode, que ele... é um de nós! Tenho medo do que pode acontecer.
- A polícia cuidará de tudo. Você está mais segura aqui do que em qualquer lugar.
Desmond fez uma reverência e se dirigiu para a sala de piano. No caminho, Miss Kate interceptou-o com um gesto de dúvida:
- Senhor Hume, gostaria de fazer uma pergunta.
- Mas é claro, estou às suas ordens.
- O senhor vai mesmo encontrar o assassino? Ou será que costuma sempre dar falsas esperanças para todas as damas que encontra.
- Eu acredito em minha capacidade.
- Então, por favor, resolva o caso.
Kate se virou para voltar até a sala de estar quando Desmond replicou:
- E qual é o se interesse nisso?
Ela sorriu para ele e foi cuidar de Lady Littleton.

terça-feira, maio 29, 2007

Notícias de uma resistência infeliz

Aos poucos as figuras escuras iam saindo dos cantos e de trás das paredes. De todas as ruas, das casas aos pedaços, do fundo de algum prédio abandonado vinham pessoas e pessoas.
Um ladrão, uma velha quase cega, um rapaz mal-encarado, uma criança cantando. Todos andavam ao seu lado.
Falkwer se viu no meio de uma procissão. Estudantes concentrados, sérios ou brincalhões; advogados que não podiam pagar o aluguel; velhos que só se lembravam do passado e tinham receio do presente. Todos eles seguiam o escolhido pela rua, todos eles tinham uma canção presa no peito, todos queriam saber: e aí, o que vai acontecer?
Uma garota que queria ter cães, uma cigana charlatã, Haccu, um bandido assassino, um vendedor, Fren, um homem que achava que o mundo era ruim e sem solução. Andavam pelas ruas, seguiam o homem de roupas arrumadas, iam ver onde dava.
Têmis ria e ria, seguindo, guiando.
- Por aqui, pedia e Falkwer se via seguindo o labirinto de ruas adiante, adiante! Cada vez uma multidão maior os seguia. Prisioneiros e soldados, ex-funcionários da repartição pública, atuais condenados, Karyn, bruxas, cantores pobres, moleques, senhores, vendedores de frutas de animais e de remédios, leitores, escrivãos, Myshba, Teobolt, Mizudinie, Heitor M. e Carlos T.
- É por aqui!
- Lord Beckett, the prisioners started to sing!
- ... Finally...

Vamos por palavras, pediam os pesquisadores. Coloquemos elas assim, sem ordem mesmo.
Falkwer primeiro resolveu libertar os condenados. Depois todos os outros resolveram salvar os prisioneiros e instalou-se a confusão. Foi posível porque esqueceram-se de si mesmos e puderam pensar além de fantasmas e poderes, além de superstição e egoísmo. Vamos juntos conversar, racionalmente. Por favor?
Sim, é isso o que queremos. O líder do sindicato ficou realmente bravo porque pensou ser uma armadilha das elites dominantes. O prefeito não compareceu por medo. Apenas Falkwer e a velha bruxa se sentaram juntos, ao lado de um garoto que falava calmamente e com enorme desenvoltura para alguém de sua idade. Ao que parecia ele estudava ciência política. Hum, este estava em seu ambiente.
Mizudinie parou as execuções porque pensou que eram cruéis demais. A cidade inteira resolveu se reformar. Neyleen aderiu às causas ambientalistas e pediu que parassem de desmatar as selvas. O conselho de industriais negou qualquer possibilidade de que isso acontecesse pois não podiam parar as máquinas e acabar com o produto assim. Os cientistas garantiram que era possível produzir sem desmatar, ou causando um dano menor. E Mellock teve quase certeza de que era possível produzir menos ou mudar. Os propagandistas resolveram apoiar a causa das árvores e iam encomendar cartazes mas Neyleen discartou qualquer ajuda e, quando precisou dos cartazes, pediu para os garotos nas esoclas que pintasem para ela, no que foi atendida com muita boa vontade. Os diretores quiseram cobrar os alunos para que estes fossem às aulas ao invés de pintarem cartazes, mas Mellock também garantiu que a escola não ensinava nada que valesse a pena tanto assim. Alguns professores secretamente concordaram.
João tirou, de noite, sem que ninguém reparasse, todo o dinheiro do cofre central. Gamma acordou neste dia sorrindo sem parar, mas nenhuma ligação sua com o caso foi confirmada.
Parecia que, de repente, ninguém mais precisava do Estado. Os médicos saíram dos hospitais e os vendedores das lojas. Ninguém foi trabalhar naquele dia, apenas, quem sabe andar e conversar. Os maquinistas dos trens e metrôs trabalharam de solidariedade, para levarem as pessoas como sempre faziam. Uma associação de donas-de-casa se reuiniu para levar cachecóis e bolos cozidos em casa para estes gentis trabalhadores. As indústrias amanheceram paradas e frias, nenhuma máquina funcionava e nenhuma falta foi sentida. Alguns cidadãos visitaram o lixão e perceberam o tamanho do lixo usado.
João reuiniu armas. Mas não explicou para ninguém o que pretendia. Falou em tomar o poder para o povo e em revolução dos pobres.

No fundo sabiam que não daria certo, mas, como todos bons marginais, sabiam também que sua espécie iria sobreviver para sempre. Pois não há sociedade sem piratas, ciganos e escolhidos.
Por mais que o general e o político quisessem enforcar, sempre haviam mais deles. Saidos sei lá de que buraco escuro. Foi o que toda civilização aprendeu antes de cair.

Um tiro certeiro. Um do revólver bem na cara do maldito bisbo e tudo terminado. Os tiros de resposta ressoaram cruéis e perfuraram Falkwer em vários lugares. Parte máquina, parte homem, sofreu e sentiu dor mesmo assim.
O vitral onde estava se quebrou e explodiu em milhões de pedaçinhos!
Falkwer Lorn caiu no meio da missa. Eram pedaços de vidro brilhante que voavam pela catedral? Ou eram partes dele mesmo que voavam pelo ar? Ele via seu reflexo e seu rosto atordoado e perdido em cada um dos fragmentos.
Agora o mundo caiu e quebrou-se!
Acabou!
Como o tiraram de lá ele não se lembra. Só o escuro depois

Por que morremos mesmo?
Ah sim, porque um dia vivemos.
Ai do sol que nunca subiu ao céu! Ai daqueles que nunca saíram para libertar a canção secreta dos oprimidos. Vamos cantar, vamos cantar porque o mundo está errado.
Sob os nossos pés.

A Dança de Shiva - O Mito das Histórias - Nossa Razão - O Lugar em que Acontece

"A Montanha do Centro do Mundo está em Toda Parte."

Aqui É.

Já viram o que os mitos tem para dizer? É isso! Somos tudo.
Daqui - e de todo o lugar - podemos escutar a Canção do Mundo tocando, vinda do lugar de onde fluem todas as histórias e de onde brotam os sonhos
Aqui É.

Sozinhos, temos uma visão tão parcial! Quantas coisas não sabemos, não é mesmo? Como cada pessoa pode ser incrivelmente cega...
Mas, quem sabe, podemos construir um mosaico de visões individuais. O coletivo, a união. Os nossos pontos cegos são iluminados pelos olhos dos outros. As nossas falahas são corrigidas à luz das intenções alheias. A Junção das Razões Humanas pode criar um Conhecimento Verdadeiro?

Sabe onde estamos? No mundo, na vida.
Abrir bem os ouvidos para escutar a Canção do Mundo..
De onde ela vem? De mim, de você. É aqui que Deus está. Onde você se senta e onde eu toco a água.
Aqui É.


Era uma vez o Sol e a Lua..

segunda-feira, maio 28, 2007

.?sing!

Me sinto meio... Koyanisqaatsi.

domingo, maio 27, 2007

Uma maldição longe das coisas como são


Olhamos além da janela e enxergamos o óbvio. Pensamos na estrada que nos levaria até um lugar menos prisioneiro, um lugar onde as forças do mundo ainda estão livres para construir e destruir, onde andamos lado a lado com os deuses de antigamente e disputamos o controle da nossa natureza com os reis das profundezas e os monstros perversos.

Yo-ho,
haul together,
hoist the colours high...
Heave-ho,
thieves and beggars,
never say we die...

Senti que tinha que colocar isso aqui também.
Porque no mundo tudo pode existir; porque podemos tentar inventar coisas que antes eram impossíveis, só para vermos o sol coroar o dia e confirmar a certeza de estarmos vivos.
Não há diversão maior do que desafiar a própria alma.


Não consegui pensar em nada nesse fim de semana que não fossem piratas. As músicas e cantos ficam ressoando na minha cabeça e a caveira no fundo preto sorrindo, sorrindo.
Impossível abandonar no eco da memória o tom sepucral do sino que toca do fundo do mar ou o puro sino de ouro que toca entre as nuvens do céu. E essa alma de oceano me deixa tão feliz, tão feliz. Em expectativa, parece.
Mas quem espera pela caveira no alto do mastro? Quem espera, quem espera?

quinta-feira, maio 24, 2007

Lembrança Improvável

Vou olhar dentro daquele espelho. Será que já não o vi antes?
Sim, eu me lembro, ele é o espelho que conhecemos daquele antigo confronto na terra das flores. Quando todos os exércitos escuros de homens aprisionados e controlados pelas forças do medo e da submissão saíram de dentro de sua superfície polida e - abolido o espelho - ganharam terreno nas planícies do real.
Quem teve tal poder? Quem tirou de dentro do espelho sua multidão de guerreiros? O homem escuro, que segura nossas vidas nas mãos.
Ele não está mais aqui. Só o vazio da Torre abandonada.

E, no centro dos escombros, uma superfície prateada brilha um sorriso de loucura e atração.
- É o diabo chamando - disse Sark - Não devemos atender.
Mas o espelho é tão bonito, tão macio! Como não olhar dentro dele, como não se sentir puxado para sua face interna? E, lá dentro, o que terá?
O Espelho guarda uma multidão de maldades, uma caixa de terrores. Foi para lá que se refugiou o homem escuro quando sua torre caiu. Essa é sua casa, sua dimensão de monstros e medos. Portanto, devemos perseguí-lo onde ele guarda o que acabou de roubar.
Karyn se decide. Ela entrará no Espelho das Dimensões e conhecerá a maldade. Porque é lá que estará o que falta ao seu irmão para que ele se torne o último escolhido.
A Harmonia foi levada. E eles tem que resgatá-la.

terça-feira, maio 22, 2007

Decepção mórbida

Ontem andei pensando que seria muito bom se houvesse vida após a morte. Certo, não vida propriamente dita, mas Morte, digamos assim. Seria muito legal.
Não importa o que exista, desde que a gente possa continuar consciente depois de morrer. O grande vazio do esquecimento é muito assustador, eu realmente preferiria que houvesse... sei lá, qualquer coisa - ok, talvez não o Inferno.
Continuar, mesmo que em um mundo completamente diferente.
Para falar a verdade, a morte é um mistério tão grande e tão impenetrável que eu, de tanta curiosidade, já pensei em me matar só para descobrir o que acontece. Digamos que ainda bem que eu consigo controlar meus impulsos.
Queria que houvesse alguma coisa do outro lado. Tenho certeza que as religiões não estão certas: talvez a comunicação entre os mundos seja impossível mesmo; não sabemos e não saberemos o que nos espera - isso se algo nos esperar.
A vida sem nada depois parece tão rápida e inútil - brilha um pouco e se apaga para sempre.
Adoraria um dia explorar a morte e descobrir que existe algo além... Mas vou esperar a hora certa chegar, eu prometo.

segunda-feira, maio 21, 2007

Gamma no Fundo - 2


Quando tudo acabou choveu muito.


Quando descemos lá embaixo, sentimos todo o peso da terra sobre nós, nos segurando, nos prendendo. Fomos adiante, apesar do medo, apesar de não entendermos. Naquele mundo lunar, era tudo de ponta cabeça, era tudo o inverso.
Seguimos a escadaria até Lhanoar, sem poder acreditar em algo quase impossível mesmo para a imagiação: a maior das cidades, pendurada por sobre um abismo, de cabeça para baixo.
Mirávamos o fim do mundo sobre - nossas cabeças? O som oco do ar, como uma garganta gigante ressonando, enchia o salão. Fumaça subia/descia do buraco que deveria ser o chão e a cidade que já tinha sido uma das capitais do mundo e agora era habitada por todo o tipo de monstros horrendos se dependurava no teto, como estalactite gigante, como casa de morcegos, como um mundo que deixou de existir a muitos anos e nos espreita selvagem do fundo da bocarra do universo.

O Juramento

Haccu afastou o pó da cabeça e balançou os braços para o ar. Ele respirava devagar, em grandes lufadas, tentando se afastar das pedras que caíram do teto.
- A caverna entrou em colapso! - gritou desesperado - Não é seguro ficarmos aqui, precisamos sair. Onde é a saída? Onde? - ele gritava, movendo os braços agitado.
Gamma chorava em um canto.
- Fui eu quem fez isso - ela disse, agarrada aos joelhos - eu derrubei tudo, eu te machuquei.
- Não. Eu estou bem. Vê, eu posso... eu posso me levantar - Haccu gemeu e abaixou-se de novo, fraco demais para se mover tão rápido.
Gamma olhou-o se sentar sobre as pedras novamente e perdeu as esperanças:
- Eu não vou conseguir - anunciou. Continuar a viver parecia impossível, um esforço tremendo e inútil.
- Temos que encontrar os outros, temos que achar todos.
Haccu se levantou, preocupado com o que podia ter acontecido no resto da caverna. Desde que caíram lá embaixo não havia visto mais ninguém. Pensamentos terríveis percorreram sua mente.
- Eles podem estar mal, podem estar machucados, sozinhos ou mesmo... - abaixou a cabeça e resolver correr. Precisava se mexer, gesticular, fazer qualquer coisa! Apalpou a rocha no escuro, buscando uma saída; cirulou pelos escombros gemendo por causa dos machucados no corpo - Nós nos separamos! Temos que achar todos, ver se estão bem. Não podemos ficar separados, de jeito nenhum; tem que haver algum lugar onde possamos nos reunir de novo.
Encontrou uma passagem na rocha e ia sair correndo para longe quando Gamma segurou sua mão.
- Não me deixe aqui. Por favor Haccu, não quero ficar sozinha; eu não consigo sozinha!
- Eu preciso... Você pode esperar aqui, eu prometo que eu volto. Aí a gente te ajuda, eles saberão o que fazer, eles também foram escolhidos. Eu prometo que volto.
- Não. Por favor, não. Eu não quero ficar sozinha.
Haccu olhou para a escuridão e quis. Um impulso ordenou ao seu corpo que fosse, que abandonasse, que corresse.
Por mais um instante ficou, e ouviu ela falar.
- Me faça um juramento. - pediu Gamma - Você era meu amigo quando éramos crianças, eu sei que posso confiar em você. Eu sei! E não há mais nada aqui; não tem mais ninguém que pode me ajudar assim. Estamos completamente sozinhos nesse buraco, e eu tenho tanto medo! Todos eles confiam em você; por favor, fique para me ajudar.
Haccu se abaixou. Ele estava preocupado, sem saber o que fazer, com urgência de correr para todas as direções; mas esperou que ela terminasse.
- Jure. Que enquanto eu precisar, como escolhida, você vai ficar do meu lado. Literalmente, ouviu. Eu quero que você não saia de perto de mim, que onde eu for você vai também - Gamma proclamou, com raiva de sua condição de necessidade. Seu antigo amigo era o único que podia ajudá-la.
Haccu abaixou a cabeça, um pouco contrariado. Era ela quem, costumeiramente, fugia e o deixava sozinho para trás. Mas precisava de ajuda. Estavam tão perdidos os dois! E onde ele precisava ir, será que ela iria também? Teriam que se seguir constantemente?
- Eu juro. Prometo que vou ficar... literalmente... do seu lado.
- Você está chateado com isso?
- Não, eu só... Não é nada.
- Fala! É sério, você jurou cara. Agora pode dizer tudo. O que você queria sair correndo procurando nesta escuridão?
- Eu queria encontrar Neyleen. Desde que caímos aqui em baixo... Eu não sei onde estão os outros, eu preciso muito encontrar todo mundo, e juntá-los de novo.
- E você está tão interessado assim na garota que te deixou e se casou com outro?
- Isso não é da sua conta.
- Sabe que você não precisa ser o herói o tempo todo. Tem que deixar as coisas acontecer; essas cavernas são fundas demais para que qualquer pessoa possa sair por aí andando. Você iria se perder.
- Eu fiz o seu juramento. O que você quer agora?
Gamma olhou pensativa para o chão - Normalmente eu sou a primeira a quebrar promessas e juramentos... Mas obrigada por ficar, por... Você sabe, por jurar de verdade.
- Eu falei sério. De verdade mesmo. Não vou sair de perto de você.
- Valeu Haccu. Por ser o único amigo que eu tenho.
- No mundo inteiro? - ele perguntou ironicamente.
- No mundo inteiro.
- E Myshba?
- O que tem Myshba?
- Ele é seu amigo também. E Mizudinie. Desde que salvamos aquele pirata no Forte ela vem gostando de você.
- Talvez eles gostem de mim. O problema é que eu não me importo. Eu... olha, não diz o que eu vou dizer para mais ninguém, ouviu?, mas; Eu às vezes prefiro quando as pessoas não gostam de mim, quando elas não querem saber nem de falar comigo.
- Isso deve ser muito solitário.
- Eu gosto de ficar sozinha.
- Ninguém gosta de ficar sozinho desse jeito.
- Escuta, estou começando a me arrepender do juramento. Você não precisa ficar tão perto assim, ouviu? Quem sabe só a uns cinco metros de distância.
Haccu sorriu no meio dos escombros. Gamma deu risada.
- Amigos então?
- Você jurou, hein. Nada de desistir agora.
- Não vou desistir. Porque você não pode acreditar nas pessoas?
- Que bonito. E piegas. É muito difícil acreditar nas pessoas: elas são todas mentirosas.
- Não doeria ter um pouco de esperança...
- Não doeria termos um pouco de comida, isso sim. Você não tem nada guardado aí, com você?
- Não. Karyn estava com a maior parte dos alimentos.
- Então você tem razão: temos que achar os outros! Quem sabe podemos procurar primeiro a sua... querida.. Neyleen.
- Eu gostaria que você não contasse isso para ela. Por favor.
- Claro. E eu também gostaria que você guardasse essa coisa de escolhida dentro da boca. Não precisamos dizer o tempo todo e para todo mundo.
- É claro que precisamos!
- Mas e se eu não quiser? Até onde entendi era eu quem decidia as coisas por aqui.
- Parece que vai demorar para sairmos dessa caverna...
- O que disse?
- Hm? Nada. Não era importante.

segunda-feira, maio 14, 2007

O Mistério da Máscara Javanesa - Parte 1


Desmond H. entrou na sala escura e aspirou os fortes aromas de tabaco e de sangue espirrado sobre o carpete. O inspetor da polícia estava ali. Um homem gorducho, já se encaminhando para a aposentadoria, com um senhor bigode cobrindo grande parte do rosto em tufos cinzentos de autoridade e cinismo. O inspetor era o tipo de homem que vira demais: conhecia cada detalhe sórdido do mundo e mal podia esperar para se mudar para uma ilha paradisíaca qualquer e se dedicar à sua plantação de batatas. Se ainda não o tinha feito era porque, no fundo, amava seu trabalho.
Desmond H. também. Curtia cada fétido e deplorável instante de seu trabalho como detetive; adorava entrar nas casas dos outros em busca de respostas, em busca dos segredos ordinários que as vidas do subúrbio são tão boas em esconder. Mas naquela noite o caso era diferente. Era coisa cerebral, material de trabalho para aqueles detetives dos romances ingleses: Agatha Christie e tal; ordem e método. Desmond odiava os casos em que tinha que pensar muito; se não conseguia diferenciar o culpado dos outros com apenas uma olhada já achava muito incômodo e desperdício de seu tempo. Acreditem, Desmond era o tipo de cara que podia diferenciar um bastardo de um assassino das outras pessoas (não que os outros não fossem bastardos também, mas Des conhecia os tipos diferentes, sabia quais eram os que iam a fundo e apertavam o gatilho e quais paravam antes da curva final) - ele era bom, muito bom no que fazia.
- Temos os suspeitos na sala ao lado - disse o inspetor. Ele tinha algo de diferente hoje. Parecia.. sorridente. Desmond não pôde deixar de sentir um leve arrepio com isso; esse caso estava ficando mais desagradável ainda - Parece que estavam dando uma festinha na casa e, quando ninguém estava olhando, algum espertinho resolveu estourar a cabeça do anfitrião.
A massa de sangue e carne espalhada no tapete central deixou Desmond levemente nauseado.
- Alguma gracinha? - o detetive perguntou, olhando para a misteriosa máscara javanesa posta sobre o rosto do falecido.
- O assassino deve tê-la tirado da parede - confirmou o inspetor, coçando seu bigode cinza - Lord Hugo tinha uma coleção de máscaras muito bonita. Dizem que andou viajando pelo mundo atrás de novas aquisições... Você sabe, depois que ganhou na loteria.
Então o caso tinha um motivo, pensou Desmond. Um ricaço cheio da grana, que passa seus dias em selvas tropicais atrás de máscaras exóticas para pendurar nas paredes de sua mansão em Dorcester; motivo? Herança era sempre a primeira opção.
- Quer dizer que Lord Hugo era um homem de sorte?
- Não me diga que você não ouviu falar disso - espantou-se o inspetor, erguendo suas também espessas sombrancelhas - Aconteceu há apenas quatro semanas e saiu em todos os jornais! Parece que, pela primeira vez na história de Dorcester um homem acertou todos os númerosa da loteria. Lord Hugo ganhou tudo, ficou milionário do dia para a noite.
- E quem é que gostaria de ver esse sonho terminado?
- Parece que tudo foi tão rápido que ele juntou mais inimigos do que amigos no processo. Você sabe Desmond, o de sempre: pessoas que achavam que mereciam uma parte do dinheiro, pessoas que apareceram de repente querendo ajudá-lo. Ah sim, provavelmente você gostaria de ver os supeitos.
Desmond sorriu. Chegava sua parte favorita da investigação. O inspetor o levou a uma sala ao lado, enquanto explicava:
- Como já disse, o morto estava dando uma festa particular. Convidou quatro amigos para passarem o fim de semana. Pelo que contaram nos depoimentos iniciais, um deles acabou chegando no segundo dia, mesmo sem ser convidado.
- Quem sabe se sentiu por fora e veio visitar o seu grande amigo - sorriu Desmond. Estava interessado nesse intruso impertinente.
- Podemos dizer que ficaram na casa apenas Lord Hugo, os cinco convidados e o mordomo James Ford.
A cabeça de Desmond ocupou-se de vários devaneios, tentando desvendar o dito popular que prega o assassino como sendo sempre o mordomo. Seria um caso interessante, sem dúvida.
O inspetor conduziu-o pelo hall em direção ao salão. Assim que entrou, o detetive observou cuidadosamente todas as seis pessoas presentes. Algumas viraram a cabeça curiosamente em sua direção, outros permaneceram em suas poltronas com cara de enfado. Desmond prestou atenção ao mordomo James, encostado em uma parede, e nas duas damas sentadas no chaise-longue.
- Estes eram todos que estavam na casa durante o fim-de-semana? - perguntou em voz baixa ao inspetor - Ninguém mais poderia ter entrado?
- Negativo - confirmou o inspetor, silencioso - Defenitivamente um deles é o assassino.
Desmond sorriu e olhou-os firmemente. Observou com cinismo um homem jovem, músico sem dúvida, conversar impaciente com um policial.
- Aquele é Charlie Pace, antigo violinista da orquestra de Dorcester, atualmente anda por aí sem emprego - explicou o inspetor - Era um grande amigo de Lord Hugo. - adicionou, como um motivo de inocência.
- Se eram tão amigos, talvez seja aqui que ele arranjava dinheiro para financiar seus vícios. Um músico aposentado com olheiras tão grandes? O cara é um vagabundo maior, pode ter certeza que nunca deu duro na vida.
- Mas é o assassino? - perguntou ansioso o inspetor. Desmond negou com a cabeça e se virou para o outro lado do salão. Observava agora as duas senhoras - São Lady Littleton e Miss Austen. Não há muito o que contar sobre elas, parecem inocentes.
Desmond sorriu apenas, observando os movimentos que Lady Littleton fazia com o leque para se refrescar. Nada era simples, ele parecia dizer.
- Aquele ali é Jack Sheppard, um médico das redondezas. Atendia sempre Lord Hugo toda vez que ele tinha seus ataques de pessimismo e tristeza; infelizmente ele era muito supersticioso e vivia assustado, talvez por causa do dinheiro da loteria. E aquele é John Locke.
Desmond virou sua cabeça para o homem careca na janela. Parecia tranqüilo e quase sorridente... A escória humana, pensou Des; seria ele capaz de assassinar e sorrir depois? Não, ele não podia definir. Eram todos atores muito bons, ou então inocentes. Desmond não queria acreditar na inocência; procurava sempre ver o pior nas pessoas, era quase um vício.
Não conseguira descobrir o assassino ainda. Isto o preocupava, deixava-o tenso por ter que resolver o caso do modo normal. Desmond odiava quando sua intuição o deixava na mão.
Olhou para o inspetor cansado.
- Vamos começar este caso então.

sexta-feira, maio 11, 2007

Nem Acredito

Pode ser bem estranho para aqueles que me conhecem, mas acho que acabei de terminar um Índice do Krystalian, com todos os capítulos enumerados.
Sim, por incrível que pareça, não é tão impossível que eu, um dia, termine de escrevê-lo. Já conheço a história inteira em rumos bem gerais, o que me falta agora é escrever bastante e praticar, para um dia ter o... preenchimento literário, digamos assim.
Estou bem feliz, e com sono. Alguns capítulos acabaram bem otimistas, o que me surpreendeu, já que eles se passavam no meio de uma guerra... Talvez eu tire a guerra. Ela nem é tão interessante assim...

Cyan

Ah sim, quase ia me esquecendo. São 289 capítulos.

quinta-feira, maio 10, 2007

Senhores leitores

Quero avisar algo um tanto incômodo: estou tendo certos problemas no computador (não sei exatamente porque) que não me permitem comentar nos blogs.
Para abrir a tela preciso esperar meia hora. Isso se ela abrir depois desse tempo todo. Então... bom, isso explica porque faz algum tempo que eu não comento. Quer dizer, às vezes eu consigo (milagre?) mas tem blogs especialmente problemáticos (o do Ugo e a Latrina).
Não estou conseguindo nem ler os comentários no meu próprio blog! Preciso clicar no link do post, onde aparece só a postagem e os comentários embaixo para ver o que vocês escrevem.
Então, me desculpem.
Aí vão algumas coisas:

- Clara, estou gostando de todos os seus templates. São bonitos. E seu sonho foi muito bizarro! Me lembra de quando eu sonhei que o Tom Cruise me convidou para sua festa, e era no apartamento da Camilla.
- Ugo: continue experimentando escrever. Está divertido. Por sinal, faz muito tempo que não nos vemos; como vai a vida?
- Muriel: Parabéns para o nosso "amigo escocês"! Quero ver mais histórias sobre ele interferindo na vida da Elizabeth.
- Dobay: eu comentei um post remoto no seu blog... Vamos ver se você encontra..huhuhu
- Yuri: eu sei, é desanimador. Mas acho que sempre podemos encontrar coisas divertidas. Coisas novas divertidas.
(E, já que estamos nisso...)
- Lydia: Oi! Você ainda lê esse blog? Estou com saudades e ouvi dizer que você, quando era menor, tinha um blog sobre seu hamster. è verdade?

Por favor, não considerem este post como um inibidor na hora de comentarem. Acreditem, eu tenho minhas maneiras, vou ler o que vocês escreveram.

terça-feira, maio 08, 2007

~ ~ II

O dia ainda estava pensando em começar. A noite cobria tudo, silenciosa. Seria mais fácil escapar na madrugada, quando os guardas sonolentos ainda estavam incertos do que viam.Mizudinie Adros subia uma escada silenciosa, depois de fazer um acordo com piratas. Sentia que a brilhante caveira negra sorria para ela, que sua alma estava irremediavelmente comprometida.
Mas o que importa! Ela tinha que correr para salvar seus amigos, para tirá-los da cidade que, ao amanhecer, os perseguiria e condenaria.
Existir é um crime?
Porque tenho a impressão de que, muitas vezes, é sim?
Gamma e Haccu subiam logo atrás. Eles estavam nervosos, mais do que desejavam admitir, mas queriam continuar, queriam abrir os portões de ferro e escapar na madrugada silenciosa. Eles agiam bravamente em face da morte.

sábado, maio 05, 2007

Gamma no Fundo

A história da caverna é a seguinte: começa rápido, com uma queda. Alguém cai lá embaixo, no fundo escuro, e se vê presa pela barriga das rochas.
(a caverna é o ventre vazio de onde nascem os monstros)
Ela apalpa, geme, procura um chão que foi perdido. Não sabemos, mas a terra sobre a qual pisamos é falha e cheia de cavidades enganosas. Não sei de onde tiramos a ilusão de firmeza para construirmos céleres tantos edifícios, sobre algo rachado e incerto. Esquecemos as surpresas guardadas ns túneis e caminhos subterrâneos, nas roídas estruturas que seguram o mundo.
Ela sente dor. Nas costas, nas mãos, no rosto. Acabou de cair bem fundo. Seu nome é especial: ela acaba de abrir um segredo. Sem querer libertou todo seu futuro que, se não enfrentado, acabará devorando-a, como o fez toda essa terra. Gamma Aggner, quem diria, acertou o segredo, pronunciou a senha, desencantou o feitiço e fez com que as firmes pedras sob seu pé abrissem passagens. Ela falou e o chão se desfez; o chão, antes tão firme, agora um engano, percorrido por rachaduras vorazes que engoliram ela e seus amigos.
Por isso, solto seu futuro, estamos contando a história que acontece na caverna. Depois do começo rápido, temos o seguimento lento, bem lento.
Dessa vez é difícil despertar. Com todo o escuro, é difícil dizer se Gamma abriu ou fechou os olhos. E o mesmo acontece com o rapaz ao seu lado: ele tem um ferimento muito feio na perna; podemos dizer pelo cheiro forte de sangue que vem de lá.
Ele não acorda agora. Ainda não. Ele - acho que seu nome é Haccu - terá que esperar a Escolha acontecer. Só depois veremos o que fará com sua perna.
Não há vida aqui embaixo. E nem há olhos. Mas para continuar esta história preciso dizer algo aparentemente incongruente: Gamma viu algo quando acordou. Algo, sem dúvida, vivo. Enquanto apoiava a cabeça em suas mãos, raladas de tentar se segurar nas rochas durante a queda, ela viu um Cassim abrir seus braços.
Talvez fossem seus outros sentidos, todos em alerta pelo perigo, que criaram a ilusão de estar vendo na treva; ou foi o Cassim que irradiou um pouco de luz; ou quem sabe Gamma desenvolveu a rara habilidade de não precisar de nada a não ser um pouco de sombra para enxergar, de ver-em-trevas.
As coisas mais misteriosas e inversas ocorrem aqui embaixo.
- Você abriu o caminho?

- Foi você quem abriu o caminho?
(quem está aí?)

- Se você conseguiu chegar até aqui, se foi a sua voz que cortou estradas por entre as rochas e se foi sua a habilidade de atingir o coração das cavernas, então deixe que eu me apresento: sou um Cassim. Um deles, o que mora em dois lugares: nas cavernas debaixo do chão e no pântano vasto que segura as pessoas.
É por isso que nossa história tem duas partes. Nós estamos na primeira delas.
(Eu me lembro que ouvi falar disso. Eles, meus amigos, falaram em Cassins, em serem escolhidos. O que vai acontecer?)