sábado, fevereiro 10, 2007

O Exílio de Penélope

Penélope todo dia ia ter na colina verde, um pouco longe da cidade. Assim que terminava os afazeres com senhora Cassandra ia passear sozinha por entre os arbustos ou sentar-se sob a árvore que chamara de Sem-Nome. Era a única árvore na colina, e sua copa frondosa oferecia um abrigo deliciosamente calmo, já que ali podia ouvir os pássaros cantando ou ver as formigas atarefadas. Penélope dizia que a melhor coisa para se fazer quando não se queria fazer nada era observar formigas e vê-las tão concentradas em carregarem o precioso grão de açucar de um lado a outro e formarem filas metódicas e organizadas que as permitia ir de um lado a outro do campo. Constantemente a moça se surpreendia com a engenhosidade desses animais, mas se cansava muito rápido também, vendo os problemas das formigas como algo que a entristeciam, pois pensava que os próprios problemas deveriam ser problemas de formiga, no entanto sofria tanto por eles que se sentia tonta e presa e por isso decidia parar de olhar as formigas ou pensar em Sark e resolvia sair dali para olhar o lago.
Com muito mais prazer ela observava os patos deslizando. Gostava da cor de seus pescoços, um verde brilhante, e achava linda a sua plumagem marrom-e-branca. Os patos sempre a acalmavam, já que faziam sua mente deslizar pela superfície da lagoa plácida. No caminho da volta sempre parava para colher amoras. Arregaçava o vestido e subia em uma árvore para descer quinze minutos depois toda lambuzada e feliz. Levava sempre um punhado para a senhora Cassandra como agradecimento e se encantava com o simples prazer de ver o dia morrer. Não havia coisa mais misteriosa para Penélope do que aquele momento em que o dia já se foi, mas a noite ainda não chegara. Era o momento em que tinha que parar de ler pois não enxergava mais as letras impressas no livro, mas podia muito bem admirar o rosado-alaranjado do céu. Quando, pensava Penélope, o dia acaba e a noite começa? Onde fica a linha divisória que determina a mudança? Ela pensava neste momento do dia como uma fase independente, nem dia nem noite, chamada Crepúsculo. Mas ainda assim o problema persistia: onde começava e acabava o Crepúsculo? Qual momento dividia exatamente os momentos?
Um dia doeu-lhe tanto o peso de sua vida que resolveu atrair os patos para ver o quanto confiavam nela. Levou alguns biscoitos para a lagoa e secretamente - pois escapara furtivamente em um momento em que ninguém mais precisava dela - jogou os biscoitos na água para ver se atraía os patos listrados. Pensou que viriam correndo para comer em sua mão, mas acabaram ignorando totalmente o alimento jogado. Penélope se sentou triste na pequena ponte que cruzava a ponta da lagoa e colocou os pés descalços na água. Pensou em como era covarde e triste. Em como deveria estar em algum lugar fazendo alguma coisa ou em uma aventura terrívelmente emocionante talvez para salvar o reino que caía, mas nada. Estava ali, escondida e triste, pensando que nunca mais seria feliz - e poruqe havia de ser? Por acaso merecia felicidade?
Penélope Noite nunca responder ao seu chamado e se sentia culpada por tudo o que acontecia. Talvez por isso fingia estar com sono e ir dormir toda vez que senhor Marco dava notícias de Estafansa e da guerra que se desenrolava. Ou foi por isso que duas vezes fugira para os fundos do armazém para não ouvir um freguês comentar sobre a Torre Negra.
Muito triste se dirigiu à árvore Sem-Nome da colina verde. Quando estava quase chegando viu um movimento de animal próximo à ela, chacoalhando a grama e fugindo para a direita, onde não poderia mais ser visto. E esta foi a primeira vez que Penélope conheceu a família de coelhos selvagens que moravam ali.
Uma vez surrupiou um pote de mel do armazém, com a desculpa de que depois pagaria, e levou até a árvore para comer. Deixou um pouco no chão para as formigas, desejando estar fazendo uma boa ação. Queria que os deuses fizessem o mesmo com ela: que jogassem um pouco de seu mel para a pequena humana lá embaixo. O problema é que os deuses nunca fazem nada por bondade apenas, e Penélope continuou abandonada no mundo. No entanto, o mel que a humana deixou cair atraiu os coelhos. Estes sim se aproximaram dela sem medo e comeram próximos à sua mão. Penélope ficou tão feliz com a confiança que os pequenos roedores lhe davam que prometeu trazer sempre algo para eles comerem. Senhor Marco nunca percebeu que as cenouras começaram a sumir; afinal, nem ele nem Cassandra gostavam muito de cenouras, então, para que a preocupação?
A vida ali continuava devagar. Se pudesse sobreviver às noites, Penélope pensava consigo, poderia sobreviver à tudo em seu exílio. Se pudesse sobreviver às noites solitárias e imaginativas, onde sonhos não realizados tomavam o lugar de sua vida real e a faziam preferir a morte, sobreviveria à falta que sentia de Sark. Isto é, se ele algum dia voltasse.
Os patos listrados de lindos pescoços verdes eram os únicos ali que concoradavam com ela, e deslizavam calmos na lagoa como se dissessem "sim Penélope, ele vai voltar".

4 comentários:

Utak disse...

Essa história está ficando legal...

Você escreve muito bem charles!

muriel disse...

ai charles, como você consegue escrever assim? como sempre muito bom!

Charles Bosworth disse...

Hãã.. muito obrigado gente, mas eu ainda quero melhorar bastante. Não me elogiem tanto assim, eu fico constrangido (e orgulhoso - o que é pior)

Anônimo disse...

ai!
como ela é triste!
Eu quero arrastar ela daí e leva-la para conhecer o mundo!