Quando começou a seca, ninguém esperava que ela durasse tanto. Todos olhavam para o horizonte e esperavam que a chuva viesse a qualquer momento. Somente quando oito meses se passaram sem que nenhuma gota caísse do céu os homens do entreposto começaram a se procupar. Da porta de seu estabelecimento, Hakim passava as tardes quentes e abafadas olhando para as montanhas. No ar quente, elas eram azuis.
Uma noite, sem poder dormir por causa do calor intenso, Hakim saiu de casa e caminhou pelo longo planalto desértico onde ficava o entreposto. Se afastou das habitações até que se encontrou no centro do vazio.
Nas montanhas, agora não tão distantes, pululavam chacais.
Hakim ficou olhando para as nuvens que flutuavam além do deserto. Era possível enxergá-las se movendo depressa, tão rápido quanto a fumaça que subia das fogueiras, tão roxa e escura que contrastava com a noite.
No centro das nuvens, Hakim olhou assustado, estava um palácio. Ele voava sereno e determinado. Luzes perfeitas piscavam diante de si.
Então, ele se sentiu puxado. Suavemente, como em um sonho, ele flutuou para cima e na direção das luzes. As estruturas espirais o engoliram suavemente e as portas do Palácio se fecharam. Hakim escutava o som sussurrado, como ondas do mar ao fundo ou o eco de uma concha escutado a uma certa distância.
As mãos de Hakim adquiriram um colorido pálido e seus passos tinham a cadência de um sonâmbulo. Lá, ele viu as Janelas.
Em uma delas, a primeira, podia enxergar o entreposto do deserto. A seca havia destruído quase tudo em volta.
Em outra janela, um urso que molhava as patas devagar na água fria de um rio.
Na seguinte, uma moça triste e entediada sentada na janela. Hakim podia ver mais que imagens, podia ver as histórias. Ele viu: ela perdera a si mesma. Uma moça que experimentara tudo e que não conseguia achar o que era o mais importante. Ele viu: cinco peixes mortos no aquário da casa. Ela ainda chorava, sem perceber. Ele viu: o brinco jogado na lama, perdido.
Haviam mais de trinta janelas, todas atarracadas e feitas do mesmo material metálico e insubstituível. Porém, era só uma que chamava Hakim. "Talvez seja por isso que estou aqui, ele pensou. Estou aqui para olhar por aquela janela.
Nesta, outra história assim:
"Uma libélula pousou em minha mão hoje. Havia somente água à nossa volta, então permiti que ela ficasse ali. Era a mão que haviam me dito para manter firme e segurando a corda sem soltar então considerei a libélula de uma gentileza tremenda. Para protegê-la, teria de manter a mão segura, e assim aprenderia à força a lição que manteria o barco firme.
Ela me fez companhia enquanto o céu escurecia à frente. Não se preocupe, conversávamos, a chuva traz vento, que traz movimento, que irá nos tirar daqui. Por isso não é absurdo estarmos rumando na direção da chuva, estamos apenas seguindo pelo caminho que pode ser seguido.
Segure firme - eu pedia"
E Hakim via: quem dera fosse capaz para os homens se comunicarem com os animais. Assim ela entenderia, assim ela saberia que não podia se mover, mesmo que toda a tormenta a assustasse. O homem no barco sentia que tudo ficaria bem.
E a janela mostrou:
"Mais tarde, a libélula pousaria em meu pé. Mas já era tarde.
Tudo havia sumido, engolido pelo escuro e pelas águas."
Apesar do clima árido, as montanhas eram azuis. Como se dissessem Olhem, apesar de tudo há esperança, as dificuldades podem ser contornadas.
Não estamos no inferno, apesar de tudo. Bastava a Hakim que olhasse para as montanhas para que se lembrasse disso.
segunda-feira, novembro 03, 2008
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