segunda-feira, março 15, 2010

Orellana

À tarde um exército passou pela nossa aldeia. Os homens estavam em cima dos animais a que chamavam de caballos, brilhando em suas roupas de ferro sob o sol.
Sua presença prometia morte e uns tantos nos chutaram vasos e teares, quebrando-os por prazer. Era o exército pálido, do qual tínhamos ouvido falar tanto. Logo sumiram. Entraram na floresta atrás das montanhas, deixando-nos sob a sombra de um mêdo.
Cinco dias depois vieram homens e mulheres da floresta. Fugiam do exército. Nos contaram que queimaram muitas aldeias, que debandaram toda resistência, que eram tantos quanto as formigas vermelhas, e mais terríveis.
O último homem a chegar demorou para recuperar o fôlego. Estava mais assustado do que os outros e depois de descansar falou: eles capturaram homens e mulheres, levaram-nos como escravos para a vida toda. Arrastaram-os para as regiões hostis da floresta, para onde ninguém vai. O líder do exército, roupa preta, cavalo preto, torturou os homens que não conseguiu levar. Exigiu que o dissessem onde estava "eloro". Ninguém sabia o que buscavam, por isso foram mutilados: os que não souberam responder tiveram as línguas cortadas, os que imploraram as mãos. Algumas mulheres foram jogadas as cães. Então um deles, um homem magro, de olhos faiscantes e claros e bigode esguio, ordenou que parassem. Ele sabia que não haveriam respostas e mandou que seguissem em frente.
Todos nós nos assustamos com o relato do homem. Entendemos que a nossa aldeia tivera sorte, que fora poupada. Nos próximos três dias mais e mais refugiados vieram da floresta, contando as mesmas terríveis histórias. Depois de algum tempo o homem magro sempre interrompia as torturas, convencido que os homens do lugar não sabia nada. Nossa aldeia via sua generosidade com resrva, e nos preparávamos para a volta dos homens.
Então, um dia, nenhum homem veio até a aldeia. Os refugiados pararam. Ficamos sem notícia por uma semana, até qe uma mulher velha e enrugada, de longos seios chatos, apareceu e ouvimos a seguinte história:
Eles morrem aos montes. A floresta os derrotou. Logo voltarão para a sua capital na beira do mar, longe dos mosquitos que lhes picam as pálpebras e dos vermes sob a pele de seus braços. Estão sem comida. Mataram seus animais. São muitos e eles não podem alimentar a todos; falam em voltar. Logo encontrarão o caminho, mas antes disso a floresta os cobrará um pesado preço.
E o homem magro, de olhos ferozes? alguém perguntou.
Ele sumiu. A velha deu de ombros. À três dias brigou com o líder do exército, disse que não ia voltar. Desapareceu com outros tantos na selva. Foi na direção do rio, a direção para a qual não vamos. Ele queria eloro. Estava louco.
Anos e anos depois muitos de nós já o tínhamos esquecido. Vieram então as notícias. Da selva, que levaram anos para chegar. E da capital, onde acabaram de ouví-las de um navio. O homem sobrevivera.
Desceu o rio em longos meses. A selva cresceu dentro dele, o quebrou. Procurava algo que mal podia ver, que nem podia explicar. Em todo o lugar que parava, assolava os homens com perguntas. Seus olhos, já faiscantes, agora pareciam com os do jaguar, azuis. Sua magreza fora acentuada pela fome. A febre ceifava os homens ao seu redor, mas ele permanecia vivo.
Um dia o rio ficou maior e se abriu diante de uma ilha. Maior e maior ele cresceu em um mar. Ele cruzara o nosso continente, de mar a mar. Uns de água. Outros de selva.
Dizem que voltou a seu mundo. E que pensava em voltar à selva. Nunca encontrou o que procurava.

6 comentários:

Marco disse...

Encontrar o que se procura é sempre mais difícil do que encontrar ao não mais procurar.

muriel disse...

Kurtz?

Charles Bosworth disse...

Não, Orellana.

Vivian Tsuzuki disse...

É, procurar nunca foi um caminho bom para se encontrar para mim.

muriel disse...

Kurtz (agora sem interrogação)

lorena disse...

Kurtz (2) :)