segunda-feira, maio 08, 2006

Os sonhos de Clara Mellock


- Não é possível! - suspirou Clara Mellock. Mas era real, estava escrito ali, na folha meio amarelada dentro da pasta:
"Sonho nº 409B3: Sonho de que se encontra um livro raro na prateleira. Carrega-o por todos os lados em uma cesta, junto a um bule de chocolate quente. Encontra pessoa que lhe pergunta o significado da palavra "Laripno". Diz que sabe, mas ao ser interrogada não pode explicar o que seja."
Sua cabeça girou, ela reconhecia a história do papel. Era o seu sonho que estava lá, escrito por alguém. Ela se lembrava nitidamente de todos os detalhes: a estranha cesta com o bule de chocolate, o livro que ela sempre procurara na prateleira. O que o seu sonho fazia ali, no meio de tantos papeis dentro da pasta velha? Cada pasta dessa continha sonhos? E tinham tantas pastas, espalhadas por inúmeras estantes naquele labirinto de corredores claros. . . E o que era aquilo, escrito na margem de tinta azul?
"Sonho que indica timidez e uma mente curiosa. Pode também ser a previsão onírica de que uma guerra se aproxima, provavelmente conduzida por um general de nome Laripno."
Isso era loucura! Mellock nunca imaginaria que alguém se desse ao trabalho de ler sonhos e encontrar significados obscuros. Mas aquele lugar provava o contrário. Aguém passara anos coletando, armazenando e interpretando todos esses sonhos, ela pensou. Os dela inclusive.
- E todos esses sonhos. . . ? Eles estão todos catalogados?
- Sim - respondeu Kallibér, um homenzinho calvo de vestes azul-claras que estivera esperando calmamente ao lado - Todos os sonhos são lidos e busca-se neles algum significado. Após as leituras e interpretações ele vem para cá, para ser cuidadosamente armazenado no Grande Arquivo.
- Então todos os sonhos do mundo vêm para cá? Para esta Torre?
- Sim, nós lhe dissemos: está é a Terra dos Sonhos, e aqui é a Torre da Memória, onde todos os sonhos são guardados. Você não acreditaria na quantidade de repetidos que chegam até nós. Afinal, gostamos de dizer que a matéria prima é a mesma para todos os sonhos, então é claro que muitos saiam iguais, mesmo em pessoas de tempos e países diferentes. Não temos controle sobre sonho algum; quer dizer, você viu que lá fora se produz a sua semente e que se lança os jovens sonhos no rio Pensamento. Mas depois que eles alcançam as mentes das pessoas cada semente de sonho irá se desenvolver diferentemente. Nós cuidamos apenas da produção e do Arquivamento deles; nada do que vocês lá do mundo real fazem com os sonhos tem alguma coisa a ver conosco. Isso é ocupação exclusiva dos sonhadores.
- Então vocês é que nos dão os sonhos? Isso é demais para a minha cabeça. . . Nem consigo imaginar todos os sonhos do mundo guardados aqui, nesta Torre. Mas e quanto à vocês, habitantes da Terra dos Sonhos, vocês não sonham?
- Não - O rosto de Kallibér enrijeceu, muito sério e lacônico - Nunca sonhamos, mas também quase nunca dormimos. Alguns mais exagerados gostam de dizer que são capazes de sonhar - Mellock subitamente percebeu que ele se referia ao velho Tom - Uma vez que o rio Pensamento entra na Floresta para distribuir sonhos ele não retorna. Não há mais ligação com a nossa cidade.
Dizendo isso ele apontou a pequena janelinha na parede.
Lá fora, uma atmosfera cálida envolvia a pequena cidade. Não havia muito mais do que isso; apenas algumas colinas ao redor, com os moinhos de fabricação de sonhos e a tira prateada do Rio Pensamento atravessando tudo. É como se além do campo de visão nebuloso de Mellock o mundo acabasse. Nada mais para os lados.
Excetuando-se apenas o reino obscuro da Floresta de Mnéias, que se estendia mais além. A fina faixa do rio que entrava nela desaparecia, engolida pela dúvida e mistério que envolviam a Floresta. Mellock se lembrou com um arrepio de um outro reino por onde se entrava através de um rio. . . De um certo modo, se aprofundar demais nos sonhos era como morrer.
- Aqui está todo o inconsciente da humanidade - apontou Kallibér para as estantes - Eu gosto de dizer que se, de repente, a humanidade desaparecesse, esta Torre seria suficiente para reconstruir o mundo. Muito mais do que uma biblioteca com os conhecimentos totais dos homens, esta Torre da Memória é capaz de reconstruir os medos, angústias, desejos e símbolos da Humanidade inteira.
- Acho que você tem razão - murmurou Mellock, subitamente calada pelo peso do que ouvira. A clara e aparentemente silenciosa Torre cresceu aos seus olhos, se transfigurando em um monstro de milhares de cabeças, indecifrável.

Dizia a folha que Kallibér pegou para Mellock, de dentro de uma pasta esquecida no canto, na estante mais afastada, no corredor mais escuro:
Sonho de origem duvidosa nº103535chM: Sonho de uma grande borboleta que voava por sobre um campo e entrava no moinho. Ela passa então a devorar os sonhos e a imaginação das pessoas, que estavam estocadas no moinho. Tudo fica escuro. O som de correntes e passos domina o ambiente. Era o dia do Juízo Final, quando todos os sonhos, os mortos, reviviam e a realidade desaparecia, se tranformava em um grande pesadelo. As pessoas esqueciam-se de quem eram e do que era ou não real e passavam a usar máscaras e a falarem sozinhas como loucos.
E mais abaixo, de tinta azul:
Sonho claramente subversivo forjado por um morador da Terra dos Sonhos para criar confusão. Não passa de uma fantasia de mau gosto.
"Esse é um sonho do velho Tom", pensou Mellock. Um sonho proibido que não deveria existir para alguém que não dormia. "Tem de haver algo aqui, uma pista sobre o seu desaparecimento."
- Você não vai achar nada aí - comentou Kallibér - Tom era um louco que gostava de enganar as pessoas. Ele criava fantasias para se divertir e fingia que sonhava para assustar os outros moradores da cidade. Ele era o que aqui se chamava de Louco, e do tipo perigoso.
Não havia escapatória para Clara Mellock. Tarde demais ela percebera que o seu destino já estava irremediavelmente ligado ao de Tom, quem quer que ele fosse. E ela tinha que encontrar alguma pista sobre o velho Louco, uma pista que poderia estar escondida tanto no meio dos infinitos arquivos da Torre da Memória quanto nas profundesas da Floresta de Mnéias. . .

6 comentários:

Charles Bosworth disse...

Nomes, cenário e sonhos são uma criação de charles B. Idéia de uma instituição que controla e interpreta sonhos é criação do sr. Kadaré.
Pronto, explicado.

Ozzer Seimsisk disse...

obrigada ^__^
história interessante...

Pioux's disse...

Uhhhhhhhhhhhhhhh
O que ouve com o velho Tom?

Charles Bosworth disse...

Hããã, eu não sei. Tá, desculpa, eu não deveria escrever uma história onde eu não sei o que acontece com o personagem, sendo que isso é um fato importante. Mas é que eu ainda não inventei isso...

Charles Bosworth disse...

Acho que já sei o que acontece... Huhuhu!

Anônimo disse...

bom mesmo -_-