terça-feira, agosto 29, 2006

Mario Quintana

Seleção de poemas de Mario Quintana, do livro O Sapato Florido:
( E, sim, isso é poesia...)
( E, sim, eu adorei esse livro)


O estranho caso de Mister Wong

Além do controlado dr. Jekyll e do desrecalcado Mister Hyde, há também um chinês dentro de nós: Mister Wong. Nem bom, nem mau: gratuito. Entremos, por exemplo, neste teatro. Tomemos este camarote. Pois bem, enquanto o dr. Jekyll, muito compenetrado, é todo ouvidos, e Mister Hyde arrisca um olho e a alma no decote da senhora vizinha, o nosso Mister Wong, descansadamente, põe-se a contar carecas na platéia...
Outros exemplos? Procure-os o senhor em si mesmo, agora mesmo. Não perca tempo. Cultive o seu Mister Wong!


Epígrafe

As únicas coisas eternas são as nuvens



Objetos perdidos


Os guarda-chuvas perdidos... aonde vão parar os guarda-chuvas perdidos? E os botões que se desprenderam? E as pastas de papéis, os estojos de pince-nez, as maletas esquecidas nas gares, as dentaduras postiças, os pacotes de compras, os lenços com pequenas economias, aonde vão parar todos esses objetos heteróclitos e tristes? Não sabes? Vão parar nos anéis de Saturno, são eles que formam, eternamente girando, os estranhos anéis desse planeta misterioso e amigo.


Arte de fumar

Desconfia dos que não fumam: esses não tem vida interior, não tem sentimentos. O cigarro é uma maneira disfarçada de suspirar...


Prosódia

As folhas enchem de ff as vogais do vento.


Só para si

Dona Cômoda tem três gavetas. E um ar confortável de senhora rica. Nas gavetas guarda coisas de outros tempos, só para si. Foi sempre assim, dona Cômoda: gorda, fechada, egoísta.


A companheira

A lua parte com quem partiu e fica com quem ficou. E, pacientemente, consoladoramente, aguarda os suicidas no fundo do poço.


O paraíso perdido.

Nasci em Shangri-La.
Pois quem foi que não nasceu em Shangri-La?


Parábola

A imagem daqueles salgueiros nágua é mais nítida e pura que os próprios salgueiros. E tem também uma tristeza toda sua, uma tristeza que não está nos primitivos salgueiros.


Inferno

Em suave andadura de sonho, sob uma infinita série de arco-íris celestiais, anjos me conduziam num palanquim dourado, entre um curioso povo de profetas e virgens, que formavam ala para me ver passar. Mas eu debruçava inquieto a uma e outra janela: faltava-me alguma coisa. Faltava... Faltavam os meus desafetos. Eu só queria era ver a cara deles, ver a cara que eles fariam quando me vissem passar, tirado por anjos, num palanquim de ouro!


Envelhecer

Antes, todos os caminhos iam.
Agora, todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.


Exegese

- Mas que quer dizer este poema? - perguntou-me alarmada a boa senhora.
- E o que quer dizer uma nuvem? - retruquei triunfante.
- Uma nuvem? - diz ela - Uma nuvem umas vezes quer dizer chuva, outras vezes bom tempo...


Quien supiera escribir!

O menino de joelhos sujos que chega em casa correndo e mal pode falar...
A velha dama que é agora obrigada a fazer renda para vender... de casa em casa, a coitada!... e que senta na ponta da cadeira, suspira discretamente e murmura: "A minha vida é um romance...".
Aquela moça que diz: "Não quero ouvir isto!" e tapa os olhos...
Ah, quanta coisa deliciosamente quotidiana, quanto efêmero instante, eu não gravaria para sempre na memória dos homens, se...


Hai-kai da cozinheira

A cozinheira preta preta
Preta e gorda
Com seu fresco sorriso de lua...


Mentira?

A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer.


Da cor

Há uma cor que não vem nos dicionários. É essa indefinível cor que têm todos os retratos, os figurinos da última estação, a voz das velhas damas, os primeiros sapatos, certas tabuletas, certas ruazinhas laterais: - a cor do tempo...


Pequenos tormentos da vida

De cada lado da sala de aula, pelas janelas altas, o azul convida os meninos, as nuvens desenrolam-se, lentas, como quem vai inventando preguiçosamente uma história sem fim... Sem fim é a aula: e nada acontece, nada... Bocejos e moscas. Se ao menos, pensa Margarida, se ao menos um avião entrasse por uma janela e saísse pela outra!


Margraff

De uma feita, descobri nas costas da folhinh o seguinte precioso informe:
"O açúcar de beterraba foi descoberto em 1747 por Margraff."
Desde então, nunca mais pude esquecê-lo.
E quando procuro, ansioso, entro os nevoeiros da memória, uma data esquecida, um nome, uma citação, ei-lo que aparece, implacável, esse Margraff, à prova de balas e de esconjuros. Por quê? Estarei ficando...?
Ou será o pobre Margraff que tenta desesperadamente sobreviver, transformando-se em idéia fixa?


O recurso

Sempre que o Poeta vai falar, Nosso Senhor desliga o telefone. Alô? Impossível comunicação direta.
E bum catimbum e bum bumbum
E toca o pandeiro mulata meu bem
E bum catimbum

Oh! Não há nada como a irresistível marchinha do nosso bloco invicto e soberano, para entulhar esse horrível silêncio!


Filó

O negrinho Filó era um artista no pente. Naquele velho pente envolto em papel de seda, tirava tudo, de ouvido, desde a Canção do Soldado até La donna è mobile. A gente ficava escutando, com orgulho e inveja. Pois nenhum de nós conseguia tocar pente. Dava-nos cócegas e, como dizia Gabriela, "a gente se agachava a siriri que não parava mais". Quando ele morreu, foi logo declarando a sua qualidade, para S. Pedro: "Musgo!". E S. Pedro lhe deu uma gaitinha de boca. Uma linda gaitinha de boca! E até hoje ele vive explicando que não há nada como o pente... mas o Céu é tão perfeito que na sua Filarmônica não existem instrumentos de emergência: um pente, lá, é um pente mesmo.


O anjo Malaquias

O Ogre rilhava os dentes agudos e lambia os beiços grossos, com esse exagerado ar de ferocidade que os monstros gostam de aparentar, por esporte.
Diante dele, sobre a mesa posta, o Inocentinho balava, imbele. Chamava-se Malaquias - tão piquinininho e rechonchudo, pelado, a barriguinha pra baixo, na tocante posição de certos retratos da primeira infância...
O Ogre atou o guardanapo ao pescoço. Já ia o miserável devorar o Inocentinho, quando Nossa Senhora interferiu com um milagre. Malaquias criou asas e saiu voando, voando, pelo ar atônito... saiu voando janela em fora...
Dada, porém, a urgência da operação, as asinhas brotaram-lhe apressadamente na bunda, em vez de ser um pouco mais acima, atrás dos ombros. Pois quem nasceu para mártir, nem mesmo a Mãe de Deus lhe vale!
Que o digam as nuvens, esses lerdos cágados das alturas, quando, pela noite morta, o Inocentinho passa por entre elas, voando em esquadro, o pobre, de cabeça para baixo.
E o homem que, no dia do ordenado, está jogando os sapatos dos filhos, o vestido da mulher e a conta do vendeiro, esse ouve, no entrechocar das fichas, o desatado pranto do Anjo Malaquias!
E a mundana que pinta o seu rosto de ídolo... E o empregadinho em falta que sente as palavras de emergência fugirem-lhe como cabelos de afogado... E o orador que pára em meio de uma frase... E o tenor que dá, de súbito, uma nota em flaso... Todos escutam, no seu imenso desamparo, o choro agudo do Anjo Malaquias!
E quantas vezes um de nós, ao levar o copo ao lábio, interrompe o gesto e empalidece... - O Anjo! O Anjo Malaquias! - ... E então, pra disfarçar, a gente faz literatura... e diz aos amigos que foi apenas uma folha morta que se desprendeu... ou que um pneu estourou, longe... na estrela Aldebaran...

8 comentários:

Milla disse...

ou, como a clara diria, núvens

Milla disse...

ei, chan o q aconteceu? endoidou de vez e postou um monte de coisa com pouco sentido? (só pra não dizer q é sem sentido)
de onde vc tirou isso? me lembra um livro q eu adorava qndo era pequena... vo ver se encontro...

Charles Bosworth disse...

Áff.. Primeiro: eu é quem falava das núvens, a Clara só me apoiou e aderiu á nova moda de dizer núvem com acento. Só não pûs aí porque foi o Mario Quintana quem escreveu, e eu não queria mudar o que ele fez... Se ele esqueceu de pôr o acento não é culpa minha..

Segunto: tá, eu explico o que é isso no próprio post.

Artur disse...

huahauhauhauahua

O Charlie vai ensinar a princesa Xianping a "pular a cerca"!!!

Utak disse...

Primeiro:
Artur quem é essa princesa que você tanto fala?!
Segundo:
Charles eu adorei esses parágrafos(menos dos grandes) Mas, principalmente do Mister Wong!!!
Terceiro: Camilla, Núvem tem acento sim!
Quarto: Clara, caso esteja lendo isso, trate de parar já e vá postar no Pirates Tale
Quinto...*continua...*

Artur disse...

Ugo, leia o blog dos outros por inteiro que você descobre!

Segundo: não gostar dos grandes é coisa de pré-escola!

Hihihi o Charlie tem um caso com uma moça oriental!

Pioux's disse...

Huhuhuhuhu... =) que d+++
Adoreiiiiiiiii ^^

Anônimo disse...

Adoro Mário Quintaaanaaa !