Ontem à noite fiqui pensando no quanto as fantasias morrem com o tempo.
E em histórias de famílias, e em escrever usando outras partes do meu corpo.
Chove agora. Tinha me esquecido de como isso era bonito. Acredito que um contato maior com a naureza é do que precisamos, ou ao menos, do que preciso.
(novamente meu coração pula e acompanha a música para um lugar distante)
Sound of the Wind
(Sou feliz ao seu lado)
quarta-feira, fevereiro 28, 2007
sexta-feira, fevereiro 23, 2007
Ah, sim
Bom, me senti na obrigação de escrever um post sobre o carnaval. Qualquer coisa pelo menos sobre o sol e o mar delicioso, ou então - isso não podia ficar de fora - alguma referência sobre o Trovão... (alguém mais "escutou" o Artur falando "eu odeio vocês" daquele jeito dele?).
Sem falar que nós velejamos! Um dia, né? Um dia a gente encontra um barco para passear por aí.
Amanhã começam as minhas aulas (finalmente!) e isso me deixa feliz da vida. Ah, que clima agradável de calmaria! Mal posso esperar para voltar à faculdade e viver um pouco mais de cor.
(Li muito mangá hoje, estou meio zonzo.... Ah, sim, eu também assisti a Piratas do Caribe 2 e resolvi algumas coisas sobre a história da Mizudinie, mas isso não é interessante.)
P.S. - Escutem essa música. Se chama Across the Divide.
P.P.S. - O post abaixo é novo, tá? Eu sei que ele se parece muito com o anterior (o mais abaixo ainda), mas é outro. Achei bom avisar...
Sem falar que nós velejamos! Um dia, né? Um dia a gente encontra um barco para passear por aí.
Amanhã começam as minhas aulas (finalmente!) e isso me deixa feliz da vida. Ah, que clima agradável de calmaria! Mal posso esperar para voltar à faculdade e viver um pouco mais de cor.
(Li muito mangá hoje, estou meio zonzo.... Ah, sim, eu também assisti a Piratas do Caribe 2 e resolvi algumas coisas sobre a história da Mizudinie, mas isso não é interessante.)
P.S. - Escutem essa música. Se chama Across the Divide.
P.P.S. - O post abaixo é novo, tá? Eu sei que ele se parece muito com o anterior (o mais abaixo ainda), mas é outro. Achei bom avisar...
quinta-feira, fevereiro 22, 2007
Penélope - cinco
O Festival de São Bartolomeu será daqui a três semanas. Senhora Cassandra já me pediu para juntar as bandeirolas que as mulheres costuram e espalhá-las pela cidade. Ela diz que assim as pessoas terão uma chance de me conhcer melhor e, quem sabe, pararão de suspeitar da estrangeira misteriosa. Não quero montar as bandeiras, porque não sei onde colocar tudo isso e tenho vergonha de sair por aí pondo coisas nas casas dos outros. Mesmo que aquela garota filha da vizinha me ajude, não acho que isso irá melhorar o modo como as pessoas me encaram ou fazer minha aflição e medo de estar sendo vigiada ir embora.
Nada disso vai embora. Acho que isso é para sempre então. Devo me acostumar com a pequena cidade, mesmo que ela nunca se acostume comigo.
(Aliás, tenho medo de que o velho que sempre carrega uma vassoura esteja na verdade me espiando. Não duvido que se ele subesse quem sou me entregaria sem hesitar para os homens da Torre Negra. Detesto aquele velho ranzinza, assim como detesto não saber o que vai me acontecer. )
É por isso que vou para a lagoa olhar os patos. Já são meus amigos e conversam comigo. Todo fim de tarde - ou Crepúsculo - saem da água e caminhamos juntos pela grama enquanto ainda se pode ver. Acho lindo ficar vendo as coisas perderem sua nitidez e as sombras se esticarem espreguiçosas. Por isso acompanho os patos caminhando no quase escuro em seu quase-desengonçado passo, vendo o céu se tingindo de explosão para depois cair em escuridão azul e preta. Quando caminho pela relva nessa hora do dia, meu coração hesita em resistir, pensando em cada coisa pequena e bonita que existe no mundo; sonho em sobreviver somente no Crepúsculo, e dormir o resto do dia. Só assim eu pararia de chorar toda noite por não ser não ser não ser.
Mas o festival está tão perto. E a iminência do dia de São Bartolomeu me deixa mais contente por ver em todos os rostos a alegria de uma criança.
Busquei a água no poço novamente e conversei com as crianças que brincavam ali perto. Elas me disseram que brincavam de "Pássaro Negro", um jogo cheio de corrida e esconder. Sem pensar, achei que estava vivendo aquele jogo; por um instante minha vida se tornou o desafio do pequeno pássaro negro, de escapar e não ser visto.
Chorei debaixo de Sem-Nome pensando nisso. Pensando em como poderia ser livre, em qual abandonar me levaria à liberdade? qual impulso de escolha eu teria que seguir para chegar ao lugar onde terminam todas as coisas?, em como queria abrir minhas asas e sair dali, para - quem sabe, por que não? - conhecer o mar que eu só havia imaginado.
Um melro tinha seu ninho na árvore Sem-Nome. Eu podia vê-lo depois que os coelhos iam dormir, pois era essa hora que ele cantava. Eu caminhava com os patos pela relva e voltava para a árvore para ouvi-lo cantar. Corria então até a casa de senhora Cassandra e chegava cansada no momento em que o jantar era servido. Adoro a sensação da roupa chacoalhar e voar equanto corremos. Adoro passar correndo pela grama e levantar insetos assustados, com a música do melro preto ainda na cabeça e lembrando de como os patos suportavam o clima frio. Eles migram para longe, sabia? Voam em bandos para os outros hemisférios e conhecem partes do mundo banhadas em sonho e magia. O cheiro da noite era complexo e múltiplo, e me fazia querer correr mais ainda, para tentar alcançar as estrelas.
Dentro de casa o cheiro era outro: as mulheres tentavam esconder o odor da comida para não provocar mais fome do que já tínhamos. A guerra deixava pouca coisa em nossas mesas e não era raro jantarmos e almoçarmos apenas pão, comendo os nacos que nos cabiam com avidez. Estranhamente talvez, não me sentia triste ou injustiçada, já que acabara de alimentar os coelhos, caminhar com os patos e escutar o melro cantar, e me considerava satisfeita. No dia seguinte faria o mesmo, e assim por diante até que fosse feliz. Minha nova vida em meio à natureza me dava sempre alma nova para sorver e as palavras me enchiam de vontades no crepúsculo; se tudo continuasse assim, eu seria muito grata ao mundo por poder me colocar em um lugar onde podia ter sempre novas sensações de estar inteira.
Mas à noite pensava. E todo o esforço em busca da felicidade que tive durante o dia sumia como pó. Pensava e pensava em tudo o que não era cheio, em tudo o que me faltava e concluia que sentia que precisava de uma vida. Uma vida nova com menos dores de não querer mais estar aqui, menos querer coisas que sempre estão além. Mas quem disse que as mulheres ganham novas vidas?. A dor voltava sempre, e não deixava de pensar que falhei em ser esposa e escolhida, em ser uma cidadã ativa e uma pensadora; no final das contas nunca existia uma Penélope, era sempre um não-alguma-coisa que sobrava. Será que o tempo cura mesmo nossas dores? Sentia tanta falta de Sark quanto no primeiro dia. Os nossos cortes internos podem ser remendados e curados? Quando será que poderei ser sem-dor de novo? Algo dentro de mim me diz que nunca superarei as feridas enquanto ainda esperar. Se Henry fosse morto, seria mais fácil, mas como em algum momento espero que ele volte, eu crio expectativas que são sempre destruídas, e isso irá continuar acontecendo até o final de minha vida, se eu não perder a esperança, essa coisa estúpida, que me faz continuar querer, quando na verdade tenho que viver nessa cidade e matar meus sentimentos para não sentir mais dor.
-
"Quando você vai parar de subir à colina e chegar atrasada para o jantar?" me perguntou senhor Marco um dia, enquanto cuidava do balcão. Ele achava que estava perdendo grandes oportunidades de me envolver com as pessoas da região e fazer amigos.
Cidade idiota. Não quero nenhum amigo. Quanto menos souberem de mim, melhor. Pois aí nunca saberão quem sou. Isto é... se eu for mesmo a Escolh- . Quero dizer, o que foi que eu fiz nesse sentido? Além de trabalhar no armazém do senhor Marco e subir na colina verde para olhar o lago não fazia mais nada em minha vida. Quem era eu? Ótima pergunta, pena que não havia nenhuma ótima resposta para os céus me darem.
"Gasto meu tempo lendo todos os livros que o senhor me emprestou", eu menti. Lia os livros durante as noites febris de insônia, que não eram poucas. Mas sabia que se o senhor Marco achasse que estava lendo livros ele me permitiria ficar sozinha.
Já a senhora Cassandra entendeu que eu precisava de um tempo calmo para mim mesma. Só que a solução que inventou foi a pior possível: pensando que o tempo que eu passava sozinha era tempo desperdiçado em reflexões tristes que só me deprimiam, me colocou para costurar junto com as outras moças. Pelo contrário! Se ela me ocupasse as noites lhe seria eternamente grata, mas tirar de mim os passeios até a colina e o lago dos patos era terrível. Teria que passar quatro tardes da semana costurando roupinhas de bebês e lençóis para os recém-casados. Àquela altura, já não aguentava mais ver a vida na cidadezinha se repetir: era sempre alguém que se casava ou tinha filhos ou o filho de alguém se casava ou algum casal era filho de alguém que se casou. As fofocas que contavam as velhas moças eram sempre as mesmas. A odiosa dona Hortênsia sabia que eu não tinha habilidade para costura e logo me deu um trabalho difícil para me ver falhar e poder repreender-me com sua voz nasal. Meu Deus! Há algo maior do que isso?! Tem de haver uma vida mais interessante e cheia de cor no universo em que vivemos! Por que ninguém vem me resgatar? Onde você está Sark?! Por favor, por favor, por favor, me salve.
À noite senhora Cassandra pôs minhas mãos na água quente para ver se melhoravam dos machucados. Senhor Marco foi gentil e me deu uma pasta que tirara do prórpio armazém. Os dois tentaram me econrajar e disseram que eu acabaria sendo melhor. "Você ainda tem muito tempo livre, pode praticar sua costura quando quiser" me disse Cassandra com bondade. Expliquei para eles que o queria era justamente poder experimentar a natureza que morava na colina e passar o tempo sozinha, comigo mesma. Não era um tempo de tristeza, contei ao senhor Marco, pelo contrário, era minha parte favorita do dia: vê-lo sumir aos poquinhos e respirar seu cheiro quando virava noite.
Cassandra me permitiu subir à colina quando quissesse. Mas teria que costurar algo, mesmo se fosse lá em cima, já que o festival de São Bartolomeu se aproximava (eu me perguntava se este seria o grande evento social dali) e as velhas damas estavam sobrecarregadas e precisando de ajuda. Coube a mim costurar a fantasia de minotauro, feita de couro simples e um pouco tosco. Era claro que nunca seria a fantasia mais bonita: era esse o modo de dona Hortência fazer com que eu continuasse desapercebida, costurando uma fantasia insossa e inútil. A inveja dela me deixou mais tranqüila: o que não queria mesmo era ter a atenção da cidade, embora, por outro lado, eu secretamente desejei costurar a fantasia de Arlequim, dourada e brilhante.
Cassandra me ensinou bastante, e eu realmente pude aprender praticando sob a árvore, enquanto alimentava os coelhos com cenouras roubadas da despensa.
O melro, o belo pássaro negro que cantava para anunciar a noite, apareceu com dois ovos no ninho. E assim tudo continuava sem mudar. Minha vida parecia ser feita de intensas interrupções e longos períodos de calmaria: grandes baques como conhecer Sark, ser feita Esc- pelos deuses e fugir da casa de Estafansa eram sempre seguidos por períodos de vazio e de uma calma inquieta.
Por quanto tempo continuaria isso? Queria poder ler o futuro e saber se durariam anos ou semanas. Me atormentava pensando que Sark poderia estar, agora mesmo, ali na cidade, procurando por mim.
Me doía imaginar certas coisas: que ele nunca iria voltar; que ele veio e nos desencontramos; que cartas suas foram barradas ou extraviadas; que os peixes de minha antiga casa estavam agora todos mortos, já que ninguém os alimentava havia meses; que as escadarias do Panteão em Estafansa- lugar onde gostava de tomar sol quando menina - estavam sendo tomadas pelos exércitos da Torre Negra; que aquele homem terrível que comandava toda essa guerra assustadora e que aparecera um dia no portão lá de casa sabia onde eu estava..
Nada disso vai embora. Acho que isso é para sempre então. Devo me acostumar com a pequena cidade, mesmo que ela nunca se acostume comigo.
(Aliás, tenho medo de que o velho que sempre carrega uma vassoura esteja na verdade me espiando. Não duvido que se ele subesse quem sou me entregaria sem hesitar para os homens da Torre Negra. Detesto aquele velho ranzinza, assim como detesto não saber o que vai me acontecer. )
É por isso que vou para a lagoa olhar os patos. Já são meus amigos e conversam comigo. Todo fim de tarde - ou Crepúsculo - saem da água e caminhamos juntos pela grama enquanto ainda se pode ver. Acho lindo ficar vendo as coisas perderem sua nitidez e as sombras se esticarem espreguiçosas. Por isso acompanho os patos caminhando no quase escuro em seu quase-desengonçado passo, vendo o céu se tingindo de explosão para depois cair em escuridão azul e preta. Quando caminho pela relva nessa hora do dia, meu coração hesita em resistir, pensando em cada coisa pequena e bonita que existe no mundo; sonho em sobreviver somente no Crepúsculo, e dormir o resto do dia. Só assim eu pararia de chorar toda noite por não ser não ser não ser.
Mas o festival está tão perto. E a iminência do dia de São Bartolomeu me deixa mais contente por ver em todos os rostos a alegria de uma criança.
Busquei a água no poço novamente e conversei com as crianças que brincavam ali perto. Elas me disseram que brincavam de "Pássaro Negro", um jogo cheio de corrida e esconder. Sem pensar, achei que estava vivendo aquele jogo; por um instante minha vida se tornou o desafio do pequeno pássaro negro, de escapar e não ser visto.
Chorei debaixo de Sem-Nome pensando nisso. Pensando em como poderia ser livre, em qual abandonar me levaria à liberdade? qual impulso de escolha eu teria que seguir para chegar ao lugar onde terminam todas as coisas?, em como queria abrir minhas asas e sair dali, para - quem sabe, por que não? - conhecer o mar que eu só havia imaginado.
Um melro tinha seu ninho na árvore Sem-Nome. Eu podia vê-lo depois que os coelhos iam dormir, pois era essa hora que ele cantava. Eu caminhava com os patos pela relva e voltava para a árvore para ouvi-lo cantar. Corria então até a casa de senhora Cassandra e chegava cansada no momento em que o jantar era servido. Adoro a sensação da roupa chacoalhar e voar equanto corremos. Adoro passar correndo pela grama e levantar insetos assustados, com a música do melro preto ainda na cabeça e lembrando de como os patos suportavam o clima frio. Eles migram para longe, sabia? Voam em bandos para os outros hemisférios e conhecem partes do mundo banhadas em sonho e magia. O cheiro da noite era complexo e múltiplo, e me fazia querer correr mais ainda, para tentar alcançar as estrelas.
Dentro de casa o cheiro era outro: as mulheres tentavam esconder o odor da comida para não provocar mais fome do que já tínhamos. A guerra deixava pouca coisa em nossas mesas e não era raro jantarmos e almoçarmos apenas pão, comendo os nacos que nos cabiam com avidez. Estranhamente talvez, não me sentia triste ou injustiçada, já que acabara de alimentar os coelhos, caminhar com os patos e escutar o melro cantar, e me considerava satisfeita. No dia seguinte faria o mesmo, e assim por diante até que fosse feliz. Minha nova vida em meio à natureza me dava sempre alma nova para sorver e as palavras me enchiam de vontades no crepúsculo; se tudo continuasse assim, eu seria muito grata ao mundo por poder me colocar em um lugar onde podia ter sempre novas sensações de estar inteira.
Mas à noite pensava. E todo o esforço em busca da felicidade que tive durante o dia sumia como pó. Pensava e pensava em tudo o que não era cheio, em tudo o que me faltava e concluia que sentia que precisava de uma vida. Uma vida nova com menos dores de não querer mais estar aqui, menos querer coisas que sempre estão além. Mas quem disse que as mulheres ganham novas vidas?. A dor voltava sempre, e não deixava de pensar que falhei em ser esposa e escolhida, em ser uma cidadã ativa e uma pensadora; no final das contas nunca existia uma Penélope, era sempre um não-alguma-coisa que sobrava. Será que o tempo cura mesmo nossas dores? Sentia tanta falta de Sark quanto no primeiro dia. Os nossos cortes internos podem ser remendados e curados? Quando será que poderei ser sem-dor de novo? Algo dentro de mim me diz que nunca superarei as feridas enquanto ainda esperar. Se Henry fosse morto, seria mais fácil, mas como em algum momento espero que ele volte, eu crio expectativas que são sempre destruídas, e isso irá continuar acontecendo até o final de minha vida, se eu não perder a esperança, essa coisa estúpida, que me faz continuar querer, quando na verdade tenho que viver nessa cidade e matar meus sentimentos para não sentir mais dor.
-
"Quando você vai parar de subir à colina e chegar atrasada para o jantar?" me perguntou senhor Marco um dia, enquanto cuidava do balcão. Ele achava que estava perdendo grandes oportunidades de me envolver com as pessoas da região e fazer amigos.
Cidade idiota. Não quero nenhum amigo. Quanto menos souberem de mim, melhor. Pois aí nunca saberão quem sou. Isto é... se eu for mesmo a Escolh- . Quero dizer, o que foi que eu fiz nesse sentido? Além de trabalhar no armazém do senhor Marco e subir na colina verde para olhar o lago não fazia mais nada em minha vida. Quem era eu? Ótima pergunta, pena que não havia nenhuma ótima resposta para os céus me darem.
"Gasto meu tempo lendo todos os livros que o senhor me emprestou", eu menti. Lia os livros durante as noites febris de insônia, que não eram poucas. Mas sabia que se o senhor Marco achasse que estava lendo livros ele me permitiria ficar sozinha.
Já a senhora Cassandra entendeu que eu precisava de um tempo calmo para mim mesma. Só que a solução que inventou foi a pior possível: pensando que o tempo que eu passava sozinha era tempo desperdiçado em reflexões tristes que só me deprimiam, me colocou para costurar junto com as outras moças. Pelo contrário! Se ela me ocupasse as noites lhe seria eternamente grata, mas tirar de mim os passeios até a colina e o lago dos patos era terrível. Teria que passar quatro tardes da semana costurando roupinhas de bebês e lençóis para os recém-casados. Àquela altura, já não aguentava mais ver a vida na cidadezinha se repetir: era sempre alguém que se casava ou tinha filhos ou o filho de alguém se casava ou algum casal era filho de alguém que se casou. As fofocas que contavam as velhas moças eram sempre as mesmas. A odiosa dona Hortênsia sabia que eu não tinha habilidade para costura e logo me deu um trabalho difícil para me ver falhar e poder repreender-me com sua voz nasal. Meu Deus! Há algo maior do que isso?! Tem de haver uma vida mais interessante e cheia de cor no universo em que vivemos! Por que ninguém vem me resgatar? Onde você está Sark?! Por favor, por favor, por favor, me salve.
À noite senhora Cassandra pôs minhas mãos na água quente para ver se melhoravam dos machucados. Senhor Marco foi gentil e me deu uma pasta que tirara do prórpio armazém. Os dois tentaram me econrajar e disseram que eu acabaria sendo melhor. "Você ainda tem muito tempo livre, pode praticar sua costura quando quiser" me disse Cassandra com bondade. Expliquei para eles que o queria era justamente poder experimentar a natureza que morava na colina e passar o tempo sozinha, comigo mesma. Não era um tempo de tristeza, contei ao senhor Marco, pelo contrário, era minha parte favorita do dia: vê-lo sumir aos poquinhos e respirar seu cheiro quando virava noite.
Cassandra me permitiu subir à colina quando quissesse. Mas teria que costurar algo, mesmo se fosse lá em cima, já que o festival de São Bartolomeu se aproximava (eu me perguntava se este seria o grande evento social dali) e as velhas damas estavam sobrecarregadas e precisando de ajuda. Coube a mim costurar a fantasia de minotauro, feita de couro simples e um pouco tosco. Era claro que nunca seria a fantasia mais bonita: era esse o modo de dona Hortência fazer com que eu continuasse desapercebida, costurando uma fantasia insossa e inútil. A inveja dela me deixou mais tranqüila: o que não queria mesmo era ter a atenção da cidade, embora, por outro lado, eu secretamente desejei costurar a fantasia de Arlequim, dourada e brilhante.
Cassandra me ensinou bastante, e eu realmente pude aprender praticando sob a árvore, enquanto alimentava os coelhos com cenouras roubadas da despensa.
O melro, o belo pássaro negro que cantava para anunciar a noite, apareceu com dois ovos no ninho. E assim tudo continuava sem mudar. Minha vida parecia ser feita de intensas interrupções e longos períodos de calmaria: grandes baques como conhecer Sark, ser feita Esc- pelos deuses e fugir da casa de Estafansa eram sempre seguidos por períodos de vazio e de uma calma inquieta.
Por quanto tempo continuaria isso? Queria poder ler o futuro e saber se durariam anos ou semanas. Me atormentava pensando que Sark poderia estar, agora mesmo, ali na cidade, procurando por mim.
Me doía imaginar certas coisas: que ele nunca iria voltar; que ele veio e nos desencontramos; que cartas suas foram barradas ou extraviadas; que os peixes de minha antiga casa estavam agora todos mortos, já que ninguém os alimentava havia meses; que as escadarias do Panteão em Estafansa- lugar onde gostava de tomar sol quando menina - estavam sendo tomadas pelos exércitos da Torre Negra; que aquele homem terrível que comandava toda essa guerra assustadora e que aparecera um dia no portão lá de casa sabia onde eu estava..
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Penélope e Sark
sábado, fevereiro 10, 2007
O Exílio de Penélope
Penélope todo dia ia ter na colina verde, um pouco longe da cidade. Assim que terminava os afazeres com senhora Cassandra ia passear sozinha por entre os arbustos ou sentar-se sob a árvore que chamara de Sem-Nome. Era a única árvore na colina, e sua copa frondosa oferecia um abrigo deliciosamente calmo, já que ali podia ouvir os pássaros cantando ou ver as formigas atarefadas. Penélope dizia que a melhor coisa para se fazer quando não se queria fazer nada era observar formigas e vê-las tão concentradas em carregarem o precioso grão de açucar de um lado a outro e formarem filas metódicas e organizadas que as permitia ir de um lado a outro do campo. Constantemente a moça se surpreendia com a engenhosidade desses animais, mas se cansava muito rápido também, vendo os problemas das formigas como algo que a entristeciam, pois pensava que os próprios problemas deveriam ser problemas de formiga, no entanto sofria tanto por eles que se sentia tonta e presa e por isso decidia parar de olhar as formigas ou pensar em Sark e resolvia sair dali para olhar o lago.
Com muito mais prazer ela observava os patos deslizando. Gostava da cor de seus pescoços, um verde brilhante, e achava linda a sua plumagem marrom-e-branca. Os patos sempre a acalmavam, já que faziam sua mente deslizar pela superfície da lagoa plácida. No caminho da volta sempre parava para colher amoras. Arregaçava o vestido e subia em uma árvore para descer quinze minutos depois toda lambuzada e feliz. Levava sempre um punhado para a senhora Cassandra como agradecimento e se encantava com o simples prazer de ver o dia morrer. Não havia coisa mais misteriosa para Penélope do que aquele momento em que o dia já se foi, mas a noite ainda não chegara. Era o momento em que tinha que parar de ler pois não enxergava mais as letras impressas no livro, mas podia muito bem admirar o rosado-alaranjado do céu. Quando, pensava Penélope, o dia acaba e a noite começa? Onde fica a linha divisória que determina a mudança? Ela pensava neste momento do dia como uma fase independente, nem dia nem noite, chamada Crepúsculo. Mas ainda assim o problema persistia: onde começava e acabava o Crepúsculo? Qual momento dividia exatamente os momentos?
Um dia doeu-lhe tanto o peso de sua vida que resolveu atrair os patos para ver o quanto confiavam nela. Levou alguns biscoitos para a lagoa e secretamente - pois escapara furtivamente em um momento em que ninguém mais precisava dela - jogou os biscoitos na água para ver se atraía os patos listrados. Pensou que viriam correndo para comer em sua mão, mas acabaram ignorando totalmente o alimento jogado. Penélope se sentou triste na pequena ponte que cruzava a ponta da lagoa e colocou os pés descalços na água. Pensou em como era covarde e triste. Em como deveria estar em algum lugar fazendo alguma coisa ou em uma aventura terrívelmente emocionante talvez para salvar o reino que caía, mas nada. Estava ali, escondida e triste, pensando que nunca mais seria feliz - e poruqe havia de ser? Por acaso merecia felicidade?
Penélope Noite nunca responder ao seu chamado e se sentia culpada por tudo o que acontecia. Talvez por isso fingia estar com sono e ir dormir toda vez que senhor Marco dava notícias de Estafansa e da guerra que se desenrolava. Ou foi por isso que duas vezes fugira para os fundos do armazém para não ouvir um freguês comentar sobre a Torre Negra.
Muito triste se dirigiu à árvore Sem-Nome da colina verde. Quando estava quase chegando viu um movimento de animal próximo à ela, chacoalhando a grama e fugindo para a direita, onde não poderia mais ser visto. E esta foi a primeira vez que Penélope conheceu a família de coelhos selvagens que moravam ali.
Uma vez surrupiou um pote de mel do armazém, com a desculpa de que depois pagaria, e levou até a árvore para comer. Deixou um pouco no chão para as formigas, desejando estar fazendo uma boa ação. Queria que os deuses fizessem o mesmo com ela: que jogassem um pouco de seu mel para a pequena humana lá embaixo. O problema é que os deuses nunca fazem nada por bondade apenas, e Penélope continuou abandonada no mundo. No entanto, o mel que a humana deixou cair atraiu os coelhos. Estes sim se aproximaram dela sem medo e comeram próximos à sua mão. Penélope ficou tão feliz com a confiança que os pequenos roedores lhe davam que prometeu trazer sempre algo para eles comerem. Senhor Marco nunca percebeu que as cenouras começaram a sumir; afinal, nem ele nem Cassandra gostavam muito de cenouras, então, para que a preocupação?
A vida ali continuava devagar. Se pudesse sobreviver às noites, Penélope pensava consigo, poderia sobreviver à tudo em seu exílio. Se pudesse sobreviver às noites solitárias e imaginativas, onde sonhos não realizados tomavam o lugar de sua vida real e a faziam preferir a morte, sobreviveria à falta que sentia de Sark. Isto é, se ele algum dia voltasse.
Os patos listrados de lindos pescoços verdes eram os únicos ali que concoradavam com ela, e deslizavam calmos na lagoa como se dissessem "sim Penélope, ele vai voltar".
Com muito mais prazer ela observava os patos deslizando. Gostava da cor de seus pescoços, um verde brilhante, e achava linda a sua plumagem marrom-e-branca. Os patos sempre a acalmavam, já que faziam sua mente deslizar pela superfície da lagoa plácida. No caminho da volta sempre parava para colher amoras. Arregaçava o vestido e subia em uma árvore para descer quinze minutos depois toda lambuzada e feliz. Levava sempre um punhado para a senhora Cassandra como agradecimento e se encantava com o simples prazer de ver o dia morrer. Não havia coisa mais misteriosa para Penélope do que aquele momento em que o dia já se foi, mas a noite ainda não chegara. Era o momento em que tinha que parar de ler pois não enxergava mais as letras impressas no livro, mas podia muito bem admirar o rosado-alaranjado do céu. Quando, pensava Penélope, o dia acaba e a noite começa? Onde fica a linha divisória que determina a mudança? Ela pensava neste momento do dia como uma fase independente, nem dia nem noite, chamada Crepúsculo. Mas ainda assim o problema persistia: onde começava e acabava o Crepúsculo? Qual momento dividia exatamente os momentos?
Um dia doeu-lhe tanto o peso de sua vida que resolveu atrair os patos para ver o quanto confiavam nela. Levou alguns biscoitos para a lagoa e secretamente - pois escapara furtivamente em um momento em que ninguém mais precisava dela - jogou os biscoitos na água para ver se atraía os patos listrados. Pensou que viriam correndo para comer em sua mão, mas acabaram ignorando totalmente o alimento jogado. Penélope se sentou triste na pequena ponte que cruzava a ponta da lagoa e colocou os pés descalços na água. Pensou em como era covarde e triste. Em como deveria estar em algum lugar fazendo alguma coisa ou em uma aventura terrívelmente emocionante talvez para salvar o reino que caía, mas nada. Estava ali, escondida e triste, pensando que nunca mais seria feliz - e poruqe havia de ser? Por acaso merecia felicidade?
Penélope Noite nunca responder ao seu chamado e se sentia culpada por tudo o que acontecia. Talvez por isso fingia estar com sono e ir dormir toda vez que senhor Marco dava notícias de Estafansa e da guerra que se desenrolava. Ou foi por isso que duas vezes fugira para os fundos do armazém para não ouvir um freguês comentar sobre a Torre Negra.
Muito triste se dirigiu à árvore Sem-Nome da colina verde. Quando estava quase chegando viu um movimento de animal próximo à ela, chacoalhando a grama e fugindo para a direita, onde não poderia mais ser visto. E esta foi a primeira vez que Penélope conheceu a família de coelhos selvagens que moravam ali.
Uma vez surrupiou um pote de mel do armazém, com a desculpa de que depois pagaria, e levou até a árvore para comer. Deixou um pouco no chão para as formigas, desejando estar fazendo uma boa ação. Queria que os deuses fizessem o mesmo com ela: que jogassem um pouco de seu mel para a pequena humana lá embaixo. O problema é que os deuses nunca fazem nada por bondade apenas, e Penélope continuou abandonada no mundo. No entanto, o mel que a humana deixou cair atraiu os coelhos. Estes sim se aproximaram dela sem medo e comeram próximos à sua mão. Penélope ficou tão feliz com a confiança que os pequenos roedores lhe davam que prometeu trazer sempre algo para eles comerem. Senhor Marco nunca percebeu que as cenouras começaram a sumir; afinal, nem ele nem Cassandra gostavam muito de cenouras, então, para que a preocupação?
A vida ali continuava devagar. Se pudesse sobreviver às noites, Penélope pensava consigo, poderia sobreviver à tudo em seu exílio. Se pudesse sobreviver às noites solitárias e imaginativas, onde sonhos não realizados tomavam o lugar de sua vida real e a faziam preferir a morte, sobreviveria à falta que sentia de Sark. Isto é, se ele algum dia voltasse.
Os patos listrados de lindos pescoços verdes eram os únicos ali que concoradavam com ela, e deslizavam calmos na lagoa como se dissessem "sim Penélope, ele vai voltar".
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terça-feira, fevereiro 06, 2007
Volume 29 - Oratório
Tenho muito mais medo do Enel agora. Quer dizer, alguém já reparou nas orelhas dele? Espero que a Conis possa avisar todo mundo do plano terrível, mas vendo pela idolatria que o povo do céu tem por Deus, acho que ninguém vai acreditar nela. E a Robin vai encontrar o raio do sino de ouro? Oh, que curiosidade... E o Ruffy vai sair de dentro do monstro frito?
Afinal, aquela cobra cresceu ou não? É bem possível, já que é comum o desenho de personagens mudar ao longo da publicação, principalmente de um mangá tão longo quanto One Piece. Quer dizer, vocês já reapararam no Usopp?
"Cerremos nossas bocas e guardemos a verdade em nossos corações, pois somos aqueles que tecem a história".
Boa sorte para todos aqueles que sobrevireram até agora.
quinta-feira, fevereiro 01, 2007
Os sonhos de Clara Mellock - O Palácio Oceânico
Rebena Te Ra
Estava conversando quando o vi pela primeira vez. Parei de escutar as vozes na sala para assitir à luz que piscava no céu.
Meu corpo ficou leve e flutuou para cima, na sua direção. A enorme estrutura ia crescendo e crescendo de tamanho, revelando construções metálicas e lisas: era perfeito: a maior e a mais terrível criação da Humanidade, moldada a partir do vazio e das intenções.
Seu interior era repleto de salas, colunas, pátios e máquinas orgânicas complicadas e moventes. Monstros habitavam seu interior: eram parte de toda a super-estrutura que compunha o Palácio Oceânico. Os desejos e sonhos dos homens eram usados ali: sua força era revertida e fazia a máquina andar pelo céu. Os pesadelos e medos também: todos tinham uma sala no Palácio, todos eram energia captada pelas forças que operavam em seus mecanismos. Eram forças antigas, da época da criação do mundo, sendo controladas pela novidade que os homens impunham.
Depois que os antigos abriram as portas para os outros mundos, seu poder chegou ao limite. A barreira final, o limiar do Poder Total era precisamente o Palácio Oceânico, a maior das ambições finalmente construída. Na sala mais interior, onde piscavam mais luzes perfeitas e complexas, ficava a maior das invenções: a gigantesca Máquina Coração, feita de uma vibrante pedra vermelha que catalizava sonhos humanos, capaz de alterar a realidade através de intenções. Mnéias me disse que já a vira uma dia: era o centro e a razão de toda aquele Palácio existir nos céus e de todas as construções ao seu redor.
A própria Mnéias tinha uma posição especial dentro do Palácio Oceânico. Ela era a mente humana que fora capturada e subjugada por aqueles homens de uma era esquecida; dentro da estrutura final - como diziam os construtores - todas as facetas do homem eram conhecidas e exploradas, captadas em sua essência e usadas como parte da máquina-mundo-estrutura. Os sonhos desfilavam por caminhos escondidos, a sede de poder habitava um salão imperial revestido de pólvora, os titãs trabalhavam acorrentados nos porões, junto às mulitdões de escravos que eram obrigadas a servir o Palácio.
Mnéias me falou em sonho do horror e da crueldade que os antigos praticavam entre si: aqueles que não eram hábeis em magia ou cheios de conhecimentos era prontamente despachados para os níveis inferiores para trabalharem nas estruturas pesadas e perfeitas. Somente os mais poderosos ocupavam cadeiras no alto do panteão central - eram cinco reis-deuses que conduziam a máquina -, enquanto que milhares de homens e mulheres alimentavam o Palácio de medos, angústias e derrota - sendo, por sua vez, alimento dos monstros e temores que habitavam os corredores maquinares.
Era uma quantidade gigantesca de escravos, me dizia a mariposa Mnéias. Eram mais homens sofrendo nas estruturas do que as pessoas que existem hoje no mundo. Hoje? Que mundo? O Palácio Oceânico comeu o tempo, devorou o espaço e alçou-se ao céu dos anjos. Os homens haviam criado o Poder, criado uma máquina-orgânica feita de vazio e força, criado a Estrutura Final, construído um Anjo! Acabou-se aí a Humanidade, quando todos subiram a bordo, até o céu, até o fim. Superaram a última barreira e ganharam todo o poder do pensamento, do corpo e do espírito. Eram deuses em sua magnífica carruagem tão terrível! A Última criação dos antigos, que despertou a ira dos verdadeiros deuses e desencadeou o Cataclisma pela sua instabilidade no mundo. Logo que o Palácio Oceânico subiu em sua luz impessoal, fogo e água varreram a terra, destruindo o que havia sido criado até então e mudando os continentes.
No centro deste anjo terrível morava a Máquina Coração, feita da miraculosa pedra vermelha, que tantos anos atrás permitira o surgimento do ser humano. Pois então, porque não pegar carona no eterno Palácio e viajar até muito antes? Até o mundo em sua forma primitiva e sem definição, morada de seres e criaturas sem nome algum.
Um dia vemos alguns seres muito pequenos e muito fracos se escondendo em alguma floresta. São tão assustados que fogem ao ver a pedra que cai do espaço. Sonhei com os homens voltando - era a curiosidade agindo - e pegando uma pedra vinda dos céus, uma pedra tão vermelha e tão bonita!, e começando a inventar. Uma coisa diferente se deu aos homens quando tocaram a pedra: eles podiam pensar em coisas que não estavam ali, e durante a noite tinham visões enquanto dormiam. Um homem pensava em coisas que nem sequer existiam e outro inventava coisas que podiam ser. Agora Mnéias e eu vemos surgir a Humanidade a partir da Pedra dos Sonhos que logo seria usada para se conhecer a magia e - tentando fazer com que a magia não se perdesse - para a criação de palavras. Uma espada muito poderosa seria feita desta pedra. Um anel capaz de prender os monstros seria engastado com seu fragmento e seus restos remanescentes iriam construir a Máquina Coração, capaz de transformar sonhos em realidade usando apenas a intenção, formando o que era o cerne do Palácio Oceânico. Vemos agora o fim do homem, o Cataclisma, os escravos morrerem aos punhados, os sonhos escorregarem das estruturas perfeitas e cairem no mundo, os pesadelos voarem livres de suas correntes. O passado foi apagado, o Palácio Oceânico foi arrasado. Nunca mais os homens poderiam construir outro Anjo.
E como os deuses e os outros anjos puderam destruir algo eterno? Talvez o Palácio não tenha resistido a si próprio e fragmentou-se. O que havia com o desejos daqueles cinco homens que sentavam-se nas cadeiras ao lado da Máquina Coração? Como puderam destruir tanto? Foi uma Era que se acabou, um mundo que ruiu. Começaríamos tudo de novo? Um nome... - Schala - , sussurra Mnéias, nos implora através dos séculos para que nunca mais tentemos construir uma estrutura tão perfeita. E quem vai se lembrar do que não existe mais? Os anjos apagaram "Të'r;a., mesmo do passado. O nome do Palácio Oceânico não pode mais ser pronunciado por minha boca.
E porque os sonhos me mostram isso? Não quero mais sentir o horror ou ver as imagens pulsantes das luzes nas estruturas perfeitas, então deixem-me voltar a dormir, que não quero mais conhecer "Të'r;a., , o Palácio Oceânico.
Estava conversando quando o vi pela primeira vez. Parei de escutar as vozes na sala para assitir à luz que piscava no céu.
Meu corpo ficou leve e flutuou para cima, na sua direção. A enorme estrutura ia crescendo e crescendo de tamanho, revelando construções metálicas e lisas: era perfeito: a maior e a mais terrível criação da Humanidade, moldada a partir do vazio e das intenções.
Seu interior era repleto de salas, colunas, pátios e máquinas orgânicas complicadas e moventes. Monstros habitavam seu interior: eram parte de toda a super-estrutura que compunha o Palácio Oceânico. Os desejos e sonhos dos homens eram usados ali: sua força era revertida e fazia a máquina andar pelo céu. Os pesadelos e medos também: todos tinham uma sala no Palácio, todos eram energia captada pelas forças que operavam em seus mecanismos. Eram forças antigas, da época da criação do mundo, sendo controladas pela novidade que os homens impunham.
Depois que os antigos abriram as portas para os outros mundos, seu poder chegou ao limite. A barreira final, o limiar do Poder Total era precisamente o Palácio Oceânico, a maior das ambições finalmente construída. Na sala mais interior, onde piscavam mais luzes perfeitas e complexas, ficava a maior das invenções: a gigantesca Máquina Coração, feita de uma vibrante pedra vermelha que catalizava sonhos humanos, capaz de alterar a realidade através de intenções. Mnéias me disse que já a vira uma dia: era o centro e a razão de toda aquele Palácio existir nos céus e de todas as construções ao seu redor.
A própria Mnéias tinha uma posição especial dentro do Palácio Oceânico. Ela era a mente humana que fora capturada e subjugada por aqueles homens de uma era esquecida; dentro da estrutura final - como diziam os construtores - todas as facetas do homem eram conhecidas e exploradas, captadas em sua essência e usadas como parte da máquina-mundo-estrutura. Os sonhos desfilavam por caminhos escondidos, a sede de poder habitava um salão imperial revestido de pólvora, os titãs trabalhavam acorrentados nos porões, junto às mulitdões de escravos que eram obrigadas a servir o Palácio.
Mnéias me falou em sonho do horror e da crueldade que os antigos praticavam entre si: aqueles que não eram hábeis em magia ou cheios de conhecimentos era prontamente despachados para os níveis inferiores para trabalharem nas estruturas pesadas e perfeitas. Somente os mais poderosos ocupavam cadeiras no alto do panteão central - eram cinco reis-deuses que conduziam a máquina -, enquanto que milhares de homens e mulheres alimentavam o Palácio de medos, angústias e derrota - sendo, por sua vez, alimento dos monstros e temores que habitavam os corredores maquinares.
Era uma quantidade gigantesca de escravos, me dizia a mariposa Mnéias. Eram mais homens sofrendo nas estruturas do que as pessoas que existem hoje no mundo. Hoje? Que mundo? O Palácio Oceânico comeu o tempo, devorou o espaço e alçou-se ao céu dos anjos. Os homens haviam criado o Poder, criado uma máquina-orgânica feita de vazio e força, criado a Estrutura Final, construído um Anjo! Acabou-se aí a Humanidade, quando todos subiram a bordo, até o céu, até o fim. Superaram a última barreira e ganharam todo o poder do pensamento, do corpo e do espírito. Eram deuses em sua magnífica carruagem tão terrível! A Última criação dos antigos, que despertou a ira dos verdadeiros deuses e desencadeou o Cataclisma pela sua instabilidade no mundo. Logo que o Palácio Oceânico subiu em sua luz impessoal, fogo e água varreram a terra, destruindo o que havia sido criado até então e mudando os continentes.
No centro deste anjo terrível morava a Máquina Coração, feita da miraculosa pedra vermelha, que tantos anos atrás permitira o surgimento do ser humano. Pois então, porque não pegar carona no eterno Palácio e viajar até muito antes? Até o mundo em sua forma primitiva e sem definição, morada de seres e criaturas sem nome algum.
Um dia vemos alguns seres muito pequenos e muito fracos se escondendo em alguma floresta. São tão assustados que fogem ao ver a pedra que cai do espaço. Sonhei com os homens voltando - era a curiosidade agindo - e pegando uma pedra vinda dos céus, uma pedra tão vermelha e tão bonita!, e começando a inventar. Uma coisa diferente se deu aos homens quando tocaram a pedra: eles podiam pensar em coisas que não estavam ali, e durante a noite tinham visões enquanto dormiam. Um homem pensava em coisas que nem sequer existiam e outro inventava coisas que podiam ser. Agora Mnéias e eu vemos surgir a Humanidade a partir da Pedra dos Sonhos que logo seria usada para se conhecer a magia e - tentando fazer com que a magia não se perdesse - para a criação de palavras. Uma espada muito poderosa seria feita desta pedra. Um anel capaz de prender os monstros seria engastado com seu fragmento e seus restos remanescentes iriam construir a Máquina Coração, capaz de transformar sonhos em realidade usando apenas a intenção, formando o que era o cerne do Palácio Oceânico. Vemos agora o fim do homem, o Cataclisma, os escravos morrerem aos punhados, os sonhos escorregarem das estruturas perfeitas e cairem no mundo, os pesadelos voarem livres de suas correntes. O passado foi apagado, o Palácio Oceânico foi arrasado. Nunca mais os homens poderiam construir outro Anjo.
E como os deuses e os outros anjos puderam destruir algo eterno? Talvez o Palácio não tenha resistido a si próprio e fragmentou-se. O que havia com o desejos daqueles cinco homens que sentavam-se nas cadeiras ao lado da Máquina Coração? Como puderam destruir tanto? Foi uma Era que se acabou, um mundo que ruiu. Começaríamos tudo de novo? Um nome... - Schala - , sussurra Mnéias, nos implora através dos séculos para que nunca mais tentemos construir uma estrutura tão perfeita. E quem vai se lembrar do que não existe mais? Os anjos apagaram "Të'r;a., mesmo do passado. O nome do Palácio Oceânico não pode mais ser pronunciado por minha boca.
E porque os sonhos me mostram isso? Não quero mais sentir o horror ou ver as imagens pulsantes das luzes nas estruturas perfeitas, então deixem-me voltar a dormir, que não quero mais conhecer "Të'r;a., , o Palácio Oceânico.
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