domingo, abril 20, 2008

O menino do ar

Voava na máquina de flutuação aérea conjugada. Cruzava núvens e era como se um jorro de água fria passasse pelo corpo despertando a pele. Cada vez subia mais alto.

Lá embaixo a terra era pequena e desprezível. Não havia necessidade de contar as vacas que via, os rebanhos de ovelha ou as aldeias. Todos os números de que precisava figuravam no arranjo celeste. As estrelas de noite, os pássaros que migravam de dia. A lua, cuja trajetória cruzava as linhas do tempo e obedecia a um ritmo mais antigo do que o tempo curto de sua vida.

Eventualmente precisaria descer. A fome e o cansaço o obrigariam a cair de volta ao mundo de baixo, mas por enquanto não pensaria nisso. É fácil esquecer quando se toca os picos das montanhas com as mãos e se dança junto aos astros. O sol nascia à sua direita e morria à esquerda. Estava portanto, indo ao Norte, junto com as agulhões e andorinhas. Cada dia que avançava se sentia mais leve. Aos poucos seu corpo perderia toda a substância e seria uma parte de céu. O voandante, uma constelação, um rastro de vento e núvem.

Passou a voar sobre o mar. Achava as ondas bonitas, pois elas também obedeciam a um ritmo e a uma lei, mas lhe incomodava o reflexo do sol na água, por isso voava a maior parte do tempo de olhos fechados, sem medir mais a distância, sem precisar dos olhos para sentir o enorme oceano abaixo.

Ficava mais frio. Ficava mais alto. Aos poucos chegaria no topo do mundo, onde, entre a luz da aurora boreal e a conjugação dos meridianos, todos os desejos poderiam ser realizados. Pediria, simplesmente, nunca mais descer.

Um comentário:

Giulia T. disse...

eu gostei muito!
voar sem nenhum equipamento seria uma coisa muito estranha... e interessante...