- Por que o pôr-do-sol que cobre o horizonte está tão vermelho? - perguntou Myshba.
- Aquele é o efeito da luz que desce por sobre um fundo de partículas - no caso, a fumaça escura e densa e o vapor acumulado nos subterrâneos que está sendo expelido. - explicou Fren com delicados e pensativos movimentos das mãos, como sempre fazia - A luz quando passa pelas partículas no ar emite uma certa cor dependendo dos obstáculos que enfrenta. No caso deste cenário aterrador, produz-se o vermelho.
- E olhem ali, perto da muralha quebrada - apontou Teobolt interessado - O céu parece quase verde naquele ponto.
- Ali é mais bonito: um céu roxo, ou mesmo anil bem escuro, cobre toda a área sul - murmurou Mizudinie, que vinha de onde as pedras começavam a cair e limpava as mangas sujas de carvão.
- Acho este céu muito assustador - admitiu Myshba - Mas também, com essas cores estranhas e estes trovões rugindo...
- Ainda bem que não moram pessoas aqui. O vento já teria destelhado as casas e afugentado os animais. - disse Mizudinie sentando-se em uma grande pedra preta, olhando o céu caótico - Não sobraria nada, nem árvore nem pedra.
- É um efeito disto tudo - disse Fren, um tanto repreendedor, ao apontar com um movimento da cabeça para a gigantesca torre dos anjos - Agora que ela está caíndo, tudo está terminando.
Todos olharam para a estrutura que se desfazia e rugia em fúria mortal.
- Vamos? - Sark perguntou impaciente.
- Sim, vamos. Nada mais de ficar admirando a paisagem. Temos que sair daqui. - Haccu falou, já descendo a escada íngreme - Antes que algo caia e nos atinga. Antes que tudo se desmorone, inclusive o chão que estamos pisando.
Saíram para longe do fim do mundo e tudo acabou, em um fogo pesado e negro. Nunca mais voltariam para aquele lugar, cujo nome se perdera, cuja história não seria mais contada.
terça-feira, julho 15, 2008
Os juncos
O barco se afastava para encontrar o mar, além da mata de juncos baixos e poços insalubres.
Ele perguntou ao viajante porque ele queria ir além, porque queria continuar a andar e a conhecer.
Mísca olhou de volta para o barqueiro, que andava todos os dias por estes canais tranqüilos e não soube responder. Mas pensou que a resposta estava nas gaivotas que voavam branquinhas mais além. Sob elas, o mar, que não se escutava ainda mas logo suas ondas se fariam ouvir. Apontou os pássaros e o barqueiro continuou a remar pensativo.
- Um dia estava envolvido com o conhecimento, em meio à turbulenta vida cotidianta. Era uma guerra, um motivo, uma discussão, não me lembro mais. Misca olhou para cima, para o sol pacífico e continuou:
Então, quando estavam falando algo importante, quando um mestre falou e eu estava avidamente e interessadamente escutando, um pássaro piou no jardim, longo e triste.
- E naquele momento - disse o barqueiro - você não soube qual era mais importante, qual dos dois merecia mais sua atenção e sua vida.
- Sim - disse Mísca. O pássaro cantava lindamente.
O barqueiro sorriu.
- É por isso que agora você está aqui, neste lugar perdido, nestes juncos distantes, nesta calmaria sem fim?
- Sim.
- Pois eu também, pois eu também, remou o barqueiro até o sol calmo, a areia branca e o mar com gaivotas.
Ele perguntou ao viajante porque ele queria ir além, porque queria continuar a andar e a conhecer.
Mísca olhou de volta para o barqueiro, que andava todos os dias por estes canais tranqüilos e não soube responder. Mas pensou que a resposta estava nas gaivotas que voavam branquinhas mais além. Sob elas, o mar, que não se escutava ainda mas logo suas ondas se fariam ouvir. Apontou os pássaros e o barqueiro continuou a remar pensativo.
- Um dia estava envolvido com o conhecimento, em meio à turbulenta vida cotidianta. Era uma guerra, um motivo, uma discussão, não me lembro mais. Misca olhou para cima, para o sol pacífico e continuou:
Então, quando estavam falando algo importante, quando um mestre falou e eu estava avidamente e interessadamente escutando, um pássaro piou no jardim, longo e triste.
- E naquele momento - disse o barqueiro - você não soube qual era mais importante, qual dos dois merecia mais sua atenção e sua vida.
- Sim - disse Mísca. O pássaro cantava lindamente.
O barqueiro sorriu.
- É por isso que agora você está aqui, neste lugar perdido, nestes juncos distantes, nesta calmaria sem fim?
- Sim.
- Pois eu também, pois eu também, remou o barqueiro até o sol calmo, a areia branca e o mar com gaivotas.
terça-feira, julho 01, 2008
O Santo e os Monstros
Santo Antão, toda noite, abria seu livro de orações e rezava. Mas naquela noite a janela se abriu primeiro e três criaturas feitas de garras retorcidas e terrores o atacaram e submeteram.
Foi levado pela noite sem lua até a côrte do rei dos monstros. Os demônios o carregavam às gargalhadas de causar frio na espinha.
Chegando lá, os répteis de lustrosas armaduras abriram o portão na paliçada e Santo Antão se viu no centro de uma fortaleza onde circulavam seres criados pela mais tortuosa fantasia, que misturara a esmo partes de animais com partes vagamente reconhecíveis de pesadelos.
Levado ao trono soberbo do rei dos monstros, nada pôde dizer.
- Estás agora no reino dos meio-dragões, das criaturas distorcidas e engendradas pelo Doutor. O que pensa de nós?
Ao redor, o santo viu um cavalo coberto de fogo negro, um homem cuja parte superior do rosto parecia ter sido retirada e substituída pela parte superior de outro rosto, pássaros com pernas de antílopes, ursos com rostos humanos, prontos para devorar e uma criatura que causou repulsa extrema em Santo Antão por ele não ter conseguido adivinhar em suas adjacências nada parecido com mãos, patas, pinças ou antenas.
- São horríveis!, gritou o santo. Faltam-lhes partes ou as têm demais!
- É por este problema teológico que o trouxemos aqui - disse o rei - O que faz de um homem um homem?
- Seu corpo inteiro e bem formado, é isso que faz dele algo que não um monstro abominável.
- Então, se tirarmos suas pernas e braços você se tornaria um de nós?
E Santo Antão, assustado com uma sirena que batia suas pinças muito próxima, pôde ponderar os dois lados da questão - Não, mesmo se retirassem meu corpo, ainda assim teria minha alma e minha mente para fazer de mim quem sou.
- E se o enloquecêssemos para que perdesse a razão? - continuou o rei - E se quebrássemos sua alma com mil pesadelos e torturas, aí seria um de nós?
- Não enquanto houver alguma boa alma para cuidar de meu corpo abandonado. Se eu ainda fôsse capaz de inspirar sentimentos humanos em outras pessoas e estas me tratassem com humanidade, assim conservariam minha boa condição.
- Então qual é a resposta? - urrou o rei dos monstros furioso - Não é o corpo e nem o que o corpo guarda. Onde está em você a humanidade que nos foi cruelmente negada? Devemos começar a experimentar: vamos retirar uma por uma suas partes e pensamentos, para quanto tivermos enfim arrancado-o de sua condição, saberemos qual é o membro ou a combinação que faz de ti um não-monstro.
Santo Antão, acuado pelos demônios, abaixou-se e rezou. Garras e tentáculos grotescos o procuraram sob os gritos de Somos homens, somos homens também!.
Dizem os livros sagrados que o santo pulou e vôou pelo céu escuro em uma redoma de luz. Afastou-se ca côrte, afastou-se a paliçada guardada por répteis faminos e afastou-se a fortaleza terrível.
Depois das trevas, estava de novo em casa, a janela aberta e o livro de orações sobre a mesa.
Foi levado pela noite sem lua até a côrte do rei dos monstros. Os demônios o carregavam às gargalhadas de causar frio na espinha.
Chegando lá, os répteis de lustrosas armaduras abriram o portão na paliçada e Santo Antão se viu no centro de uma fortaleza onde circulavam seres criados pela mais tortuosa fantasia, que misturara a esmo partes de animais com partes vagamente reconhecíveis de pesadelos.
Levado ao trono soberbo do rei dos monstros, nada pôde dizer.
- Estás agora no reino dos meio-dragões, das criaturas distorcidas e engendradas pelo Doutor. O que pensa de nós?
Ao redor, o santo viu um cavalo coberto de fogo negro, um homem cuja parte superior do rosto parecia ter sido retirada e substituída pela parte superior de outro rosto, pássaros com pernas de antílopes, ursos com rostos humanos, prontos para devorar e uma criatura que causou repulsa extrema em Santo Antão por ele não ter conseguido adivinhar em suas adjacências nada parecido com mãos, patas, pinças ou antenas.
- São horríveis!, gritou o santo. Faltam-lhes partes ou as têm demais!
- É por este problema teológico que o trouxemos aqui - disse o rei - O que faz de um homem um homem?
- Seu corpo inteiro e bem formado, é isso que faz dele algo que não um monstro abominável.
- Então, se tirarmos suas pernas e braços você se tornaria um de nós?
E Santo Antão, assustado com uma sirena que batia suas pinças muito próxima, pôde ponderar os dois lados da questão - Não, mesmo se retirassem meu corpo, ainda assim teria minha alma e minha mente para fazer de mim quem sou.
- E se o enloquecêssemos para que perdesse a razão? - continuou o rei - E se quebrássemos sua alma com mil pesadelos e torturas, aí seria um de nós?
- Não enquanto houver alguma boa alma para cuidar de meu corpo abandonado. Se eu ainda fôsse capaz de inspirar sentimentos humanos em outras pessoas e estas me tratassem com humanidade, assim conservariam minha boa condição.
- Então qual é a resposta? - urrou o rei dos monstros furioso - Não é o corpo e nem o que o corpo guarda. Onde está em você a humanidade que nos foi cruelmente negada? Devemos começar a experimentar: vamos retirar uma por uma suas partes e pensamentos, para quanto tivermos enfim arrancado-o de sua condição, saberemos qual é o membro ou a combinação que faz de ti um não-monstro.
Santo Antão, acuado pelos demônios, abaixou-se e rezou. Garras e tentáculos grotescos o procuraram sob os gritos de Somos homens, somos homens também!.
Dizem os livros sagrados que o santo pulou e vôou pelo céu escuro em uma redoma de luz. Afastou-se ca côrte, afastou-se a paliçada guardada por répteis faminos e afastou-se a fortaleza terrível.
Depois das trevas, estava de novo em casa, a janela aberta e o livro de orações sobre a mesa.
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