quinta-feira, dezembro 25, 2008

O Dia Do Fechamento

De volta ao escritório real, Michaelis e Lancelot conversavam.
- Então ele fugiu... - disse o Rei - Melhor assim. Se tivesse voltado teria que enfrentar a lei do Reino. Mesmo sendo um ladrão ele foi um bom vizir, e prefiro que tenha fugido a ter sido condenado. Realmente espero uma boa vida para Chacauner, ou, como ele se chama agora, Chamaleão.
- Eu não me preocuparia muito majestade - disse Lancelot - Eu soube que ele fugiu com o homem do casaco de pena de ganso. Onde quer que estiverem estes dois, eles estarão bem. E longe de encrencas eu espero.
- E o rapaz dos bonecos, ficará bem também?
- Rufus? Eu soube que ele pretende montar um circo itinerante. Mas que secretamente pretende fazer deste circo um meio de comunicação entre nosso mundo e o mundo dos homens. Para ajudar fugitivos a virem para cá, levar notícias, este tipo de coisa.
- Espero que ele consiga ajudar os dois mundos a encontrarem um diálogo.
- Melhor seria se não precisássemos nos esconder. Como disse Da Gama, nós somente pretendemos fazer o máximo de bem possível. Gostaria se estivéssemos juntos nesta tentativa.
- O Vaticano perdeu muito de sua autoridade depois daquele incidente. Eu soube que histórias sobre novas versões do Natal começaram a circular pela península toda. Talvez seja trabalho do homem chamado Stark e seu gato, mas de uma hora para outra todo mundo começou a criar uma nova lenda de Natal. Isso derrubou muito da credibilidade dos padres e creio que vai nos ajudar no futuro a construir uma relação melhor com os homens, sem o Vaticano a nos condenar como monstros.
- É Percival quem sempre diz, majestade: Seria ótimo se pudéssemos andar pelo mundo livremente, sendo apenas quem somos.
- Ainda chegará este dia!
Lancelot fechou a pasta que narrava os acontecimentos deste caso.
- Então está tudo terminado - ele disse - Não temos o calendário, mas não precisamos dele. O peru deu de presente para o bebê que nasceu na estrebaria.
- Ah sim - disse o Rei por trás de uma risadinha - O bebê que vocês prometeram apadrinhar. Como será isso?
- Daremos um jeito. Estarei sempre vigiando esta criança, é claro. E ajudarei sempre que puder. Mas acho que vou esperar um pouco antes de revelar-lhe tudo.
- Ela nascerá sonhando que tem dois gatos como padrinho. Que sonho mais doce!
Terminados os trabalhos, Lancelot levantou-se e se despediu do Rei com uma reverência.
- Mas onde você vai com tanta pressa?
- Deixei Percival encarregado de vigiar uma fortaleza inimiga não muito longe daqui. Avisei-o para se manter escondido e não deixar o inimigo perceber sua presença. Se não me engano, no tempo que levar para que eu chegue lá ele já terá entrado pelos portões e estará esgrimando contra quinze inimigos ao mesmo tempo. Você entende, majestade, eu preciso salvá-lo!
- Mas você não o mandou que ficasse escondido?
- Justamente! É assim que eu sei que ele se meterá em encrenca. Mas não se preocupe, o capitão Pigmaleão já tem garantida a nossa rota de fuga. Preciso correr.
Dizendo isso, o gato disparou pelo longo corredor. Terminados os trabalhos e as missões, as assinaturas e documentos oficiais, terminados os dias no calendário e as histórias para contar, o Reino dos Gatos se vê envolto em um silêncio muito profundo...

Com o fim de sua história, o viajante de roupa colorida e ultrajante desceu de seu púlpito improvisado e esperou pela reação dos habitantes de Amanda, a mais fabulosa das cidades existentes.
- Isto é só mais uma das lendas de Natal que circulam à torto e à direito nesta época do ano - gritou-lhe um na multidão - É só mais uma historinha.
- Sim, respondeu o contador, mas é uma história que conta de onde vieram as histórias.
- Você que que nós acreditemos que o Natal é uma mentira, descoberta por um punhado de gatos aventureiros que falam?
Com uma mesura humilde, o contador de histórias se expôes ao público.
A praça voltou a fazer barulho e a discussão sobrevôou as cabeças. Quando os habitantes de Amanda chegaram finalmente a um consenso - era tarde da noite já, as estrelas piscavam sonolentas e a lua sorria em cima da catedral - e decidido que era tudo uma mentira, somente uma mentira, o viajante já havia desaparecido da cidade.
Recuperada de sua normalidade, Amanda desdenhou a história e esqueceu-se do viajante. Porém, contam as lendas, ela nunca mais foi a mesma. Diz-se que de vez em quando apareciam em seus vitrais o desenho de gatos empunhando floretes, de porcos navegantes e homens com garbosos casacos de pena de ganso, sem que seus pintores tivessem uma clara intenção de colocá-los ali, sem que nem soubessem porque o haviam feito. Vez ou outra surgiam lendas, ninguém sabia de onde, sobre um outro reino além do limite do mundo conhecido, onde animais falavam e organizavam expedições. Aos poucos a história dominou Amanda pelos caminhos mais improváveis. Seus personagens pareciam ter se tornado velhos conhecidos e símbolos antigos. Os palhaços de praça pública sempre contavam lendas de seu primeiro líder, um homem capaz de controlar os bonecos mais realistas como se controlasse outros seres vivos; e as sociedades secretas diziam terem sido todas fundadas pela extinta família Stark. Logo, não foi surpresa descobrir que surgiu um nova lenda natalina dizendo que o Salvador nasceu em uma estrebaria, em uma escura noite de Natal em que ninguém quis alojar seus pais perdidos.
A história, espalhada em vários fragmentos como eram espalhados os pequenos brinquedos do calendário azul, estava ali, em Amanda, mesmo que ninguém a percebesse se não seguisse os dias e juntasse as pistas.

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