quarta-feira, dezembro 24, 2008

O Dia de Natal

Quando Florentina abriu a porta um homem muito cansado e de roupas sujas abriu a boca:
- Por favor, eu lhe imploro. Andamos a cidade inteira e não há nenhum lugar para ficarmos. Se ao menos você pudesse encontrar algum lugar para dormirmos... Por favor, qualquer lugar serve.
Florentina pôs a mão rechonchuda por sobre a boca.
- Sinto muito! Estamos lotados.
- Por favor, eu e minha esposa precisamos de um lugar para ficar esta noite. Vê, ela está grávida. Estivemos viajando durante o dia inteiro e estamos cansados. Precisamos de um abrigo para passar a noite.
Florentina olhou para trás e pensou.
- Tudo o que eu tenho é a estrebaria...
- Servirá para nós.
A estalajadeira recebeu os dois hóspedes cansados e levou-os junto com seu burrico para o quintal. Os outros seguiram-na curisos para examinarem os viajantes tão cansados. Havia algo de excepcional no modo como caminhavam, no gesto que a mulher fazia para se apoiar em seu marido e no modo como a noite os envolvia, cálida e perfumada.
- Olhe! - sussurrou Percival para Lancelot, enquanto caminhavam na grama fresca - Uma estrela cadente. O que será que está acontecendo?
- Espero que eles fiquem confortáveis. Seria ruim se tivessem o bebê antes de chegarem a seu destino.
Na estrebaria, o Rei Michaelis conversava com o burrico, que calhara de ser um animal falante:
- Nós estamos muito cansados. Não sabem o quanto estes dois têm se esforçado. Caminhamos durante muito tempo e nunguém quis nos receber em nenhum lugar da cidade.
- Espero que nas próximas isto seja melhor. Nesta época do ano Florença está cheia de peregrinos, não é à toa que tudo esteja lotado. Mas não se preocupem, a estalajadeita é uma boa mulher e fará de tudo para manter seus hóspedes confortáveis.
Florentina colocou a mulher deitada contra a palha. Ela sussurrou assustada:
- Acho que ele vai nascer.
O marido tomou-se de medo e cercou-a de cuidados.
- Venha - falou Stark - vai ficar tudo bem, deixe que as mulheres cuidem de tudo.
Rufus, Ibsen e o marido esperaram do lado de fora. Florentina saiu depois de um momento e declarou:
- Ela está tendo o bebê. Ele nascerá daqui a pouco.
O marido se abaixou desesperado.
- Por favor, cuide de minha esposa; ela é tudo o que eu tenho e eu a amo.
- Não se preocupe - disse Rufus - Ela será muito bem cuidada. Existem ajudantes nos lugares mais inesperados do mundo.
Lá dentro, Lancelot e Percival corriam para cumprir as ordens de Florentina.
- Mais água quente!
- Uma toalha!
- Rápido, façam-na sentir-se calma.
A mulher, assustada de ter seu filho em um país estrangeiro, sentia-se sendo levada pela alucinação. Imaginava estar vendo coelhinhos pularem ao seu redor e fazendo de tudo para deixá-la confortável. E dois gatos falantes a diziam: Acalme-se.
Estará tudo bem, estamos aqui para ti.
Florentina cuidou de tudo. Depois de algum tempo, saiu para fora da estrebaria e anunciou aos três homens e aos animais que esperavam lá fora:
- Seu filho nasceu.
Entraram e se sentiram contagiados por uma felicidade sem tamanho. Chacauner, vendo o bebê, esqueceu-se de toda raiva e decepção. Daquele dia em diante ele nunca mais seria levado pelo desejo de vingança.
- É tão pequeno! - disse Pigmaleão - Precisamos cuidar dele.
Todos se inclinaram ao redor do monte de palha onde a mãe deitada segurava seu filho.
- É um bebê especial! - anunciou Percival feliz - Para nascer aqui e assim, neste dia tão cheio de aventuras, só sendo mesmo um bebê único.
- Ele merece todas as nossas bênçãos - disse Lancelot - Vamos vocês, cumprimentem-no.
O pai deitou-se ao lado do filho e da esposa e acariciou o bebê.
- Ele é lindo - disse ela.
- Ele é nosso filho - disse ele.
- Então eu seri o primeiro a prestar minhas homenagens! - anunciou o peru - E como mais ninguém quer isto, eu te entregarei um dos objetos por mim escondidos.
E entregou-lhes o calendário encantado.
- Dizem que ele traz um mistério consigo. E os brinquedos irão distrair o bebê por muito tempo. Espero que gostem de meu presente.
Depois vieram os dois capitães. Pigmaleão conduziu seus marinheiros para admirarem o bebê que nasceu em uma estrebaria e Da Gama prestou junto ao seu Esquadrão uma singela reverência.
Chacaunac se aproximou.
- Eu não tenho nada a oferecer, a não ser uma promessa. Tentarei fazer o máximo de bem possível e o mínimo de mal possível de agora em diante. E abandonarei meu nome de Chacaunac para assumir novamente meu nome de Chamaleão, como deveria ter sido desde o começo. Na verdade, eu é quem deveria estar agradecendo pelo presente que recebi.
O Rei Michaelis, Stark e Rufus se enfileiraram.
- Como Rei do Reino dos Gatos eu ofereço ao bebê meu florete. Pois ele será um homem poderoso e hábil e aprenderá a governar com justiça.
- Como herdeiro de uma longa família de espiões eu ofereço a ele meu anel cheio de segredos. Pois ele desenvolverá sua curiosidade e inteligência, chegando a ser um dos homens mais espertos de seu tempo.
- Como um homem que fabrica fantoches, tudo o que posso oferecer é um boneco. E espero que ele se torne alguém capaz de trazer a alegria para os outros e pensar sempre na felicidade e nos sentimentos de todos.
Florentina se aproximou e declarou:
- Se os três já terminaram de trazer seus presentes eu irei oferecer algo mais: comida para os pais e água para o filho, pois todos precisam se alimentar.
E da cozinha veio o jantar. Em poucos minutos a estrebaria se tornou o lugar mais confortável de toda estalagem.
- Muito obrigado por terem nos recebido - disse o marido - Obrigado por abrirem as portas mesmo não havendo lugar. Obrigado por nos ajudarem todos.
- Fique tranqüilo e não se sinta obrigado a retribuir - disse Percival.
- Por que você disse isso? - disse Lancelot - Ele nem estava pensando em retribuir, mas agora que você mencionou ele se sentirá obrigado!
- Mas eu falei apenas que não precisava.
- De um modo que parece que precisa.
- Então, se você se pensa um gato tão esperto, porque não o cumprimenta melhor?
E Lancelot se inclinou, retirou seu chapeú emplumado e cumpriu uma extraordinária reverência.
Percival, com uma pontada de inveja, resolveu superá-lo.
- Para demonstrar meu carinho por este bebê, eu me ofereço como seu padrinho!
Todos arregalaram os olhos.
- Você tem certeza de que quer fazer isto? - o Rei Michaelis perguntou - Terá de ensiná-lo sobre nosso Reino quando crescer e sobre os animais. E terá que garantir do bebê o melhor dos comportamentos para que não traia nosso segredo.
- Se os pais aceitarem, eu aceito - anunciou Percival.
A esposa levantou-se ligeiramente do monte de palha e sorriu:
- Nada me deixaria mais feliz do que ter um honrado cavaleiro felino cuidando de meu filho. Aceito seu pedido.
- Mas não pode deixar ele sozinho! - disse Lancelot - Ele vai cometer todo tipo de erros e deixar seu filhe em apuros. Um gato tão imprudente como Percival não pode ser padrinho de um bebê tão importante. Eu me ofereço como co-padrinho para ajudar!
- Você está só tentando roubar minha cena - disse Percival.
- De modo algum. Eu pretendo apenas que o bebê sobreviva à juventude.
Diante da discussão entre os dois gatos, os presentes só puderam sorrir.
Nasceu na estrebaria um pequeno bebê que tinha como padrinhos dois gatos, um preto e outro branco. Cercado de fantásticos animais e dois rapazes habilidosos, ele cresceria envolto em um mistério.
Será que o calendário contou toda sua história? O passado podia acontecer no presente?
As estrelas desceram naquela noite. Uma a uma as luzes cadentes riscavam o céu e iluminavam a terra com um brilho fugaz, acendendo uma pequena esperança em cada um que as via.
Ao redor do casal com seu filho, montamos assim o presépio:
Dois gatos, seus padrinhos, um de cada lado com floretes e chapéus de plumas muito elegantes. Três reis à direita: o rei dos gatos, o rei dos espiões e o rei dos bonecos. À esquerda um ladrão arrependido. Dois pastores, um porco e outro coelho, com seus respectivos rebanhos e seguidores. Uma estalajadeira gorda e agora feliz, também com um bebê no colo, cuidando de tudo. Ao lado ainda se vê um peru contente e rechonchudo, feliz por ter sobrevivido ao Natal.

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