sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Outro Fausto

Receberam com muito mêdo a notícia da aproximação do Conde de Salazirã na pequena aldeia. Os mais velhos se reuiniram para contar histórias.
Rudi era a mais jovem das três irmãs que cuidavam da banca de legumes. Depois de ouvir os inúmeros boatos, correu para o velho Fausto que morava sozinho na beira da floresta para perguntar o que ele achava das histórias macabras.
Nenhum dos outros aldeões pensaria em considerar a opinião do velho Fausto, que passava o dia lendo livros que importava da capital e construía engenhos que pareciam mais obra de um lunático.
Ou mesmo daquele...
... daquele que sempre nos espreita das sombras, sussurrando tentações.
Daquele que veste capa escarlate e anda em uma carruagem preta com seis cavalos escuros como a noite.
Aquele de belo sorriso e promessas pergiosas...
que vinha logo aí...
- Dizem que o Conde já passou por cinco províncias do reino coletando tributos. Em todas elas é certo o relato de um homem que perdeu sua alma e de garotas que desapareceram da noite para o dia.
Por mais que Rudi tentasse, não conseguia atrair a atenção do velho Fausto.
- Ele andava em sua carruagem quando parou ao lado de uma plantação e perguntou a um pobre camponês o que ele mais queria. Com um sorriso tímido o camponês falou que gostaria de ter campos enormes, muitos do tamanho deste em que trabalhava, para ser rico como seus empregadores. E de um dia para o outro o camponês ganhou enormes campos! Até hoje ele trabalha sem parar, dormindo apenas uma hora por dia, porque têm que trabalhar em seus campos enormes, tão grandes que parecem que não terminam. Suas mãos são bolhas gigantescas!
Fausto suspirava e Rudi tentava novamente.
- É verdade que ouvi também que o Conde de Salazirã perguntou a uma mulher da côrte,o que ela mais queria e ela respondeu que adoraria ser irresistível para os homens. Dito e feito: no dia seguinte não podia mais sair do quarto, pois todo homem que a olhava era tomado de um desejo súbito de arrancar-lhe a roupa, do qual, até hoje, nenhum homem se livrou. Vivem todos em asilos para loucos; e ela está reclusa, onde ninguém mais poderá ver seu rosto ou as marcas de mordida em seu corpo.
Rudi esperou uma resposta e ouviu o silêncio.
- Você não sabe como estamos em perigo! O Conde Salazirã que está vindo é um homem cruel. Deu ao homem que queria voar asas magníficas, mas prendeu-o em um calabouço subterrâneo de onde não se via o céu. Deu todo o dinheiro do mundo a um velho avarento, mas deixou-o preso em uma ilha deserta, onde ele acabou por morrer de sede, pois o dinheiro de nada servia ali. Deu...
Fausto finalmente se levantou e perguntou à garota:
- O que você espera que eu faça. Sou apenas um velho cientista, preocupado apenas em pesquisar e conhecer a verdade. Se o Conde Salazirã quiser ter conosco, que venha. Estou cansado de lidar com estes assuntos - ele falou, enquanto se sentava na poltrona velha e movia as mãos para a frente como se afastasse algo indesejável.
A garota pensou em dizer alguma coisa, pensou em avisá-lo, dizer que escondesse seus desejos para que o Conde não pudesse usá-los contra você. Mas a campainha tocou. Pelo vidro da janela já se via a carruagem negra e os seis cavalos negros irriquietos no jardim da frente.
Fausto acalmou Rudi e abriu a porta devagar.
- Posso te oferecer conhecimento.
A figura sorriu debaixo do chapéu de longa aba.
- Um conhecimento muito à frente dos homens deste tempo, um conhecimento capaz de gerar grandes obras, de te aproximar da verdade. Afinal, a verdade não é minha para te oferecer, mas posso te pôr próximo à isso. Basta que cumpra um trabalho para mim, depois você poderá usar o conhecimento como bem lhe aprouver. Você é um cientista, sabe do que falo: serás um gênio!
A jovem pensou em gritar "não aceite", mas a voz não lhe saiu. Fausto ergueu cansado o braço e apertou as mãos do Conde, dizendo-lhe
- Temos um trato.
O Conde abriu a boca larga mostrando seus dentes pontudos.
- Você terá o conhecimento. Mas antes de usá-lo para ajudar as pessoas terá que carregar para mim estes sacos de pedras. Toda manhã você começará o trabalho: levar estas pedras para o alto da colina, onde pretendo construir meu palácio. O trabalho só terá terminado quando eu tiver tantas pedras quanto estrelas no céu!
- Você não sabe o que fez! - gritou-lhe Rudi - Ele é o Diabo em pessoa! Ele te deu conhecimento suficiente para curar todas as doenças, para melhorar a vida de todos, para ensinar aos homens a terem paciência e justiça - mas não poderá usá-lo! Porque têm uma tarefa impossível: uma tarefa que vai levar sua vida inteira para cumprir, e você vai morrer sabendo que poderia ter ajudado a todos na aldeia e no mundo, se apenas não estivesse carregando pedras para cima! Olhe como o Conde sorri: você caiu em sua armadilha!
Fausto deu de ombros.
Com os novos conhecimentos que recebeu, construiu um telescópio, contou todas as estrelas no céu e preparou um guindaste para levar o número exato de pedras para o local indicado. Voltou para casa e se tornou o maior cientista de seu tempo, publicando toda sorte de livros, curando toda sorte de doenças e tornando-se imortal para a História.

Um comentário:

Ozzer Seimsisk disse...

gostei muito, realmente muito dessa história