quinta-feira, março 19, 2009

Penélope 6 - O Fim para Penélope Noite

Vejo muitas folhas caindo pela janela. Tenho medo que o inverno chegue rápido demais e forte demais, por isso observo com cuidado a árvore ao lado de minha janela. Quero ver quando será o instante exato, quando a folha precisa me avise que começaram as nevascas e as estradas se fecharão.
Memorizo cada detalhe de seu tronco. Tento manter um registro mental de cada folha - é difícil, são tantas. Cada vez que uma delas cai, observo-a planar lenta até o chão e reparo na sombra que ela cria. Sempre leio na sombra um nome.
Nunca chamam por mim. Mas chamam por alguém.
Às vezes imagino que são os nomes secretos das folhas - seus últimos suspiros; às vezes penso que são os nomes de pessoas que morreram neste exato instante. Não reconheço nenhum. Ainda bem.

Pátroclo está cada vez mais preocupado. Meu marido exigiu que ele tomasse conta de mim e

Epolenep me disse: - Para a salvação ou a perdição, só te resta esperar. e foi a pior resposta que eu poderia receber. Nos separamos. Ela seria livre, depois que realizasse meu último pedido: que entregasse à Henry a única coisa verdadeiramente importante que me sobrara. Minha vida. Meu destino, minha história. Onde quer que ele estivesse, ele teria que continuar para mim quem eu era, pois o fim já me batia à porta. Ele seria Escolhido em meu lugar, estava lúcida da maldição que lhe legava. Tudo ao mesmo tempo, me despedi das coisas que conhecia e sentei para ver o mar. Enfim, bateram na porta...
Sem sombra, sem redenção.


Noite, logo depois noite. Por quanto tempo e por quantas vidas teríamos que esperar? Eu sozinha. Em um quarto em que, mesmo diante de uma vela acesa, eu não produzia uma imagem. Fui deixada para trás - o céu era de um vermelho noturno, da cor da guerra quando chega até onde estamos.
Neste momento esperei. Parecia que eu não tinha feito outra coisa em minha vida.
Sobraram-me apenas as três perguntas que enumerei durante minha vida:
1 - É possível saber o outro? Por palavras, por ações, é possível conhecer verdadeiramente outro ser humano?
2 - Onde estão os limites? Existem? Qual é a linha misteriosa e invisível que separa o dia da noite, eu de você, o objeto de seu fim?
e, por último:
3 - O que fiz de errado?

Por que minha vida não aconteceu? Por que não fui Escolhida, não fui esposa, não fui uma pessoa que existiu e realizou e teve sonhos? Foi por causa da guerra e da destruição geral? Bobagem, creio que não podemos culpar os tempos, nem a existência de Torres. Foi então Sark? Foi seu mêdo, sua ausência, que me destruiu? Eu teria sido feliz sem ele? Se escolhi viver com ele e amá-lo, como posso culpá-lo por não resolver meus problemas? Talvez tenha que culpar-me por não ajudá-lo, por também ter mêdo e ausentar-me.
Então o que sobra? Foi a voz que me fez ser Escolhida e abandonar minha vida? Mas então por que também não construí uma vida como Escolhida, por que nisso também falhei?
Esperei, imaginei, conheci algumas coisas e no fim nada parece ter acontecido comigo. Fui transformada em uma sombra com pouca vida e talvez tenha sido culpa minha que não soube - apenas agora - pedir ajuda. Na cidade vermelha e escura. Morrerei sozinha.
Há um limiar que cruzo agora. Chegou a hora do fim. Não poderão compreender a sensação de terminar, de deixar para trás o medo e a esperança e sumir da visão de Deus; isto é o que acontece comigo agora.
batem na porta.





A cadeira. A escada. Sem minha sombra pareço ter perdido o dom das palavras. Vou me esforçar ao máximo para contar o fim de Penélope:
Ela termina quando se levanta e vai atender ao chamado insistente e mesmo violento que bate à porta. Ela não sabe se é um grupo de policiais furiosos, emissários da Torre terminando enfim a perseguição ou algum louco da guerra. Mas o homem que está do outro lado não é nenhum destes. Ela nunca o viu antes.

- Meu nome é Haccu, ele diz.
Mas é mentira. Seria bom se terminasse assim, mas esta não é a história que eu preciso contar. Nesta história o homem também veste uma espada pendurada ao ombro, mas ele não está ali para levá-la à Henry Sark.
- Meu nome é Haramis Mictian, e estou aqui para levá-la embora. Vou te salvar como ultimo favor que faço ao meu discípulo imbecil que perdeu seu rumo.
A sombra dele não dizia nada.
O caderno que conta sua história ficou em cima da mesa. Claro, ele não poderia seguir além do fim.
Ela foi com ele pela noite clara e assustadora.
Cruzaram a guerra e os campos como em um sonho. Depois de várias noites chegaram na Casa onde o mundo termina.

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