domingo, maio 03, 2009

Eles

Era final de tarde quando o homem abriu a janela.
Ele observava preguiçosamente a rua quando gritou para a esposa:
- Leve as crianças para dentro! Eles estão aqui.
Um faixa dourada de sol iluminava uma parede do outro lado da rua. Este era o sinal. Era assim que ele sabia.
O homem fechou a janela e correu para dentro. Trancou as portas enquanto sua esposa levava os filhos para o quarto.
Lá fora o dia já não era claro. Tantas casas e prédios faziam com que o sol descesse depressa. Porém haviam vãos, passagens, buracos por onde a luz dourada podia passar. Naquele entardecer a luz parecia estar fazendo um percurso: de vão em vão o feixe dourado ia se aproximando da casa do homem.
Ele segue pela superfície das paredes, pelos telhados das casas, pelas folhas em uma árvore, até que chega na casa escolhida:
Uma das paredes do quarto se iluminou! Laranja, dourado. A última luz do crepúsculo entrou por uma das janelas e começa a correr pela parede.
O homem tirou as crianças do quarto, mandou que corressem para fora dali. Correu ele também para a sala, onde outro feixe de luz já se aproximava da porta de entrada.
Correram para o segundo quarto, o homem atrás, vendo avançar a luz pelas paredes do corredor.
- Eles estão aqui! pensava a esposa aterrorizada. Ela cobria as crianças em um canto com seu próprio corpo. O marido puxou a cortina do segundo quarto. Agora a luz entrava por milhares de rachaduras no teto. Eram tantas que ela se enfraquecia de tão dividida!
Aos poucos o feixe de luz dourada foi se unindo aos feixes que vinham das janelinhas do corredor e do resto da casa. Escorregando pela parede eles se dirigem devagar para a porta da varanda, que o homem tentava inutilmente manter coberta pela cortina. Quando a luz a atinge, a porta se abre com um estrondo.
A luz dourada e laranja invade o quarto. No centro da luz está uma sombra. Ele é apenas uma sombra. Ele é um dos seres do crepúsculo.
O homem se lança na frente dos filhos.
- Por favor, ele não têm nada a ver com a dívida. Eu prometo que vou lhes pagar, mas não façam nada com minha família. Dêem-me mais tempo!
A sombra responde:
- Hoje viemos cobrar sua dívida. Mas não queremos mais seu dinheiro. Você não precisa mais nos pagar se nos fizer apenas um favor; se pensar bem verá que é um acordo aceitável. Queremos apenas que nos esconda por esta noite em sua casa.
O homem assentiu, incrédulo de ver sua dívida finalmente sendo perdoada. Talvez ele não acreditasse totalmente na bondade destes seres.
Outros homens de sombra entraram na casa e começaram a fechar as janelas e portas pelas quais tinham entrado com largas cortinas e trancas pesadas.
A sombra que falara primeiro, a sombra que tinha ascendência sobre as demais, garantiu ao homem que sua família não seria prejudicada.
Bastava que esperassem uma noite.
O crepúsculo termina e a luz dourada se vai. Dentro da casa é escuro e começa a escurecer ainda mais. As frestas do teto desaparecem. Chega a noite e com ela a luz da lua.
Naquela noite, a luz prateada parecia estar fazendo um caminho. Aproveitava-se de cada vão da cidade para avançar de parede em parede, de rua em rua, subindo em postes e em árvores. Porém, seu avançar é inquieto e desigual: ela não sabe onde vai, ela procura algo que não está por ali. Experimenta cada vão em cada casa, entra pelas janelas para espiar as famílias jantando, mas por enquanto ainda não entrou na casa coberta por cortinas. Não se sabe quanto tempo levará para investigá-la. Não se sabe se seus moradores aguentarão uma noite inteira desapercebidos...

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