"Aos detratores da doutrina Abanita - hereges que fogem da lei divina, como também das leis da terra - ouvirão de mim as razões mais profundas de minha convicção. Convicção esta que foi aceita pelo augustíssimo e illustríssimo Imperador, senhor de muitas terras e detentor de vida longa, cujos olhos agora estão, mais do que nunca, abertos à verdade.
Não desejo repetir os argumentos do santíssimo Bispo da Cappadócia, defensor implacável de nossa santa doutrina e conversor de muitas almas de olhos agora abertos. Desejo apenas expôr, um pouco mais demoradamente, alguns pontos da doutrina Abanista sobre o qual desejo que um pouco mais de luz seja despejada, garantindo assim a extinção definitiva de seus detratores. Homens assim, que não só negam a lei divina mas também desonram nosso agustíssimo illustríssimo Imperador, e não têm sabedoria ou paciência e erudição para se demorarem sobre o louvado Bispo da Cappadócia. Por isso, perdoem meu estilo vulgar, mas são estas almas que desejo converter. Em poucos pontos, espero demonstrar as razões para que seja um Abano:
I - Um Abano não é apenas um objeto de frescor e alívio - por si só qualidades divinas de serem possuídas - mas também controlador das posições hierárquicas: homens baixos abanam homens altos. Por respeitar as leis divinas impostas ao homem, o Abano é um objeto de excelência.
II - Portanto, um Abano não é, como querem os Arvoritas e Corditas, uma comparação simplória e de baixa estatura.
III - Em matérias de comparações simplórias devemos ressaltar a natureza maligna da serpente. É evidente que os Serpentitas adquiram tão poucos fiéis: algo que é como um Abano não pode ser como uma serpente, e isto está estabelecido.
IV - Os Corditas desejam se aproximar de nós, Abanitas, argumentando que uma corda poderia muito bem se parecer com um Abano, ainda mais se for larga o suficiente. Temos assim, o maior disparate teológico de todos. Assumo que os Corditas desejam essa aproximação por causa da recente conversão de nosso augustíssimo illustríssimo Imperador. E se trata de um caso curioso, pois: depois que foram quase extintos, nenhum Serpentita recebeu ajuda dos Corditas, sendo que uma serpente e uma corda poderiam muito bem ser comparadas. Trata-se então de um esforço teológico simplório dos fiéis Corditas para escaparem das perseguições. Todos os Abanitas, porém, seguem a linha do Bispo da Cappadócia e declaram que o tempo de arrependimentos é passado: todos os Corditas devem se converter, ou serão julgados como hereges. Entre nossas doutrinas não há aproximação possível, assim como não há entre a treva e a luz."
(...)
Bispo John Huss
"Agora que o Imperador - o terceiro de sua degenerada geração - em conluio com os heréticos Abanitas, deu seu ouvido ao pior e mais espúrio bispo desta doutrina, não há mais expectativas de nossa parte de que Sua Majestade recupere a virtude.
Não desejo, mais uma vez, expôros erros Abanitas, senão ressaltar alguns pontos que os heréticos do abano se recusam a enxergar. Tudo para melhor esclarecimento de meu povo, que tanto sofreu nas mãos do Império.
I - É inegável o dom dos sentidos. O homem que duvida daquilo que toca, como não apenas os Abanitas mas os Corditas e - mais surpreendentemente - os Serpentitas, é o mais tolo dos tolos, sem dúvida.
II - Ora, daí se conclui que, sendo corretos os sentidos, nos quais os hereges falsamente se dizem apoiar, um Muro é certamente o mais aprovado. A consistência, a dureza e a solidez são fatores inegáveis. Os próprios hereges Abanitas confirmaram a solidez no Concílio de Bitínia - como bem lembraram os Santos Padres. E se a solidez foi confirmada, não há motivo para que as duas outras qualidades - a consistência e a dureza - não sejam também aceitas por aqueles que desejam negar a verdade e a evidência táctil. São esses os mesmos que ganharam os ouvidos e a confiança de um Imperador cego!
III - Algo que é sólido como um Muro, duro como um Muro e consistente como um Muro é evidentemente um Muro! Donde vemos que não é apenas a Fé a apoiar nós Muritas, mas também a Lógica. Os verdadeiros hereges não são aqueles perseguidos pelo infame Imperador, mas aqueles que sob seu teto se abrigam!
Ora, agora desejo me deter um pouco mais longamente sobre as causas da devassidão sob o governo Abanita..."
(...)
Abade Tycho Brahe
"Antes de examinar a questão de por que os hereges pensam como pensam - e de novo realcemos o espírito imparcial que nos guia nesta investigação teológica - retomemos as principais teorias sobre a forma. Levaremos em conta o que cada uma tem de bom e de ruim. Em primeiro lugar, relacionando-as quanto à vivência:
I - Os únicos a considerarem a vida são, como se bem disse, os infames Serpentitas - que parecem conhecer pouco sobre Serpentes - e nós. Todas as outras doutrinas escolheram objetos, donde se chamarão em alguns círculos mais esclarecidos, de objetistas. Negados eles ficariam a princípio - pois, como pode algo vivo não se parecer com algo vivo? - se não tivéssemos o interesse da imparcialidade a nos guiar. Portante, retomadas as questões, temos:
II - A divisão formalista, que designa os Abanitas e Muritas como um grupo à parte, pois tratam de objetos cuja forma não têm qualquer semelhança entre si e entre os outros. Todas as outras doutrinas - e é de nosso interesse provar que a nossa também - convém ao menos quanto à forma geral: integram-se neste último grupo os Corditas, os Serpentitas e os Lançaritas. Ora, nada mais evidente que a semelhança entre uma corda, uma serpente e uma lança. Porém, nossas investigações determinam outra divisão:
III - A divisão entre as doutrinas clericais e não clericais. Fica evidente que a doutrina Serpentita - cova de iniqüidades - seja a única desprovida de um clérigo regulador. Portanto, a mais insensível à Teologia. Não há de ser nenhuma surpresa para nosso leitor que os Serpentistas estejam próximos da extinção. Pois mesmo que tenham louvado as qualidades da vida, não louvaram a vida correta e escolheram a Serpente, cujo símbolo é o mal.
Por fim, exporemos como, de acordo com nossa doutrina Arvorita, todas as outras teorias podem ser compreendidas. Mas em primeiro lugar, devemos mais uma vez ressaltar as qualidades da Árvore enquanto forma.
Como símbolo de cresimento e de nutrição, ela é claramente efetiva, como muitos dos que nos detratam a muito contra-gosto costumam confirmar. É evidente que a forma da Árvore há de ser a mais perfeita. A vida se parece com a vida, e o desenvolvimento deve ser a nova face da Teologia. Todos os Concílios concordam com os Arvoritas, e somos os únicos a não promover as perseguições aos hereges, algo que, se praticado, teria garantido a supremacia da visão! Porém, a doutrina da árvore é também a doutrina da compaixão.
No espírito da imparcialidade, é difícil não se ver como deve ser a doutrina Arvorita a mais perfeita, que realça todos os pontos que deve realçar e destoa dos pontos que deve destoar - nomeadamente a corrupção observada entre os Serpentitas. Portanto, não há doutrina melhor sobre a forma que se deve ter um elefante."
(...)
Bispo M. Huizinga
sexta-feira, abril 30, 2010
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2 comentários:
que fantástico! adorei ler isto aqui!
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