quarta-feira, junho 02, 2010

Junções

Li um livro de Laura J. Hosossian, pesquisadora chilena da área de Letras. Nele, ela analisa os diários escritos pelos soldados que participaram da Guerra do Pacífico, (entre Chile, Bolívia e Peru) e tenta entender como a experiência da guerra e a noção de nação (que ainda nascia naquele momento) vão se desenvolvendo e tomando forma, a partir das experiências que os soldados viviam.
O que me chamou a atenção foi esse parágrafo, da introdução:

"No capítulo (...) a análise recai sobre um pequeno conto, cuja leitura leva a uma constatação importante: a batalha, o acontecimento em que a violência aparece formulada em todo seu apogeu, é enfrentada diretamente só pela ficção ou pelos livros de História, enquanto que os relatos de testemunho em primeira pessoa evitam-na e a contornam por caminhos oblíquos. A dor diante da ferida e da morte parece não ter cabido no discurso 'em carne viva', somente o distanciamento temporal permite sua elaboração que, na grande maioria das vezes, a incorpora no discurso eufórico do nacionalismo."

que me lembrou muito de uma passagem do último livro das Desventuras em Série. Como disse Lemony Snicket, descrevendo uma tempestade:

" É inútil para mim descrever como Violet, Klaus e Sunny se sentiram horrivelmente mal nas horas que se seguiram. A maioria das pessoas que sobreviveu a uma tempestade no mar fica tão abalada pela experiência que nunca mais quer falar sobre isso; portanto, se um escritor quiser descrever uma tempestade no mar, o único método de pesquisa possível é estar em um grande barco de madeira. Mas eu já estive em um grande barco de madeira com um caderno e uma caneta, pronto para fazer anotações caso uma tempestade me atingisse subitamente, e quando a tempestade passou eu estava tão abalado pela experiência que nunca mais quis falar sobre isso. Por essa razão é inútil para mim descrever a força dos ventos que rasgavam as velas como se fossem de papel e faziam o barco rodopiar como se fosse um patinador no gelo se exibindo..."


E do mesmo modo me lembrei da escritora escocesa que me disse:

"Contar uma história é sobreviver à ela."


Então, só podemos transformar em história aquilo que terminou. Talvez, poderíamos dizer, os que viveram a guerra e a tempestade não sobreviveram a esses acontecimentos, tão trágicos, tão intensos, e não puderam dar um sentido a isso. Ou seja, não puderam prender a experiência com palavras e colocar uma linha de sentido
O que me leva a pensar que a História não se trata de reviver o passado e suas histórias, mas pelo contrário, de enterrá-lo, terminá-lo, e prendê-lo a uma narrativa.
Poderia, claro, juntar outras coisas à essas idéias. Alguma sugestão?

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