Arathorn aprendeu um dia que seria rei. Entre as ervas queimando e a fumaça que produziam ele ouviu da boca do velho a profecia:
"Das trevas a luz há de vir...
... E o sem coroa há de reinar."
Agora que tudo terminou, é fácil contar uma história e dizer o que houve. Mas para Arathorn, naqueles dias, longos e cinzentos, o futuro era incerto e nunca se demonstrava com a precisão que ele queria.
Ele acordava muito cedo, muitas vezes nem dormia. Prestava uma atenção febria ao que seu pai lhe ensinava. Queria aprender o nome de todas as plantas, queria saber assoviar como todos os pássaros. Preciso aprender isso, pensava, para caso um dia venha a precisar. Aprendeu a calcular o calendário, e com isso aprendeu o tamanho de sua espera. Em dias que se intercalavam e formavam semanas. E semanas que, incompletas, formavam meses. E os meses, sempre doze, faziam anos. Arathorn andava atrás do pai e ouvia com máxima atenção os nomes. Às vezes, quando andava sozinho pelas florestas do norte, a cada passo que dava se punha o desafio de dizer um nome; e seu caminhar se tornou enciclopédico, enumerador, apontador do que via ao redor. Em pouco tempo conhecia tudo debaixo do céu.
Seu pai lhe deu uma espada um dia, em um gesto que somento muito mais tarde entenderia. Os filhos só compreendem os pais quando é tarde demais. A espada, quebrada, e ele suspeitou que algo no pai também. Este deu à Arathorn o resto da profecia, que às vezes recitava para si mesmo, quando a noite era escura, ou quando não parecia pensar em nada.
"Das trevas a luz há de vir...
...E o sem coroa há de reinar".
Essas duas linhas provocavam toda sorte de sentimentos em Arathorn. Às vezes era alegria, de uma espécia eufórica e confiante, sentida principalmente na época em que seu pai parou de levá-lo aos lugares, ele passou a explorar as terras ermas sozinho. Às vezes elas lhe davam melancolia, e ele pensava que havia ouvido baladas élifcas demais; comparava as grandes histórias de amor com sua vida, e sentia desespero.
Nada pareceu no lugar, por muito tempo.
Entre as ervas e os animais, dos quais conhecia todos os nomes, Arathorn esperou pela revelação, pelo dia em que pegaria a espada quebrada (e o lugar onde a escondera estava sempre voltando à sua memória; mais vezes a tinha visitado em sonho do que acordado), pelo dia em que teria que assumir um outro nome, um nome antigo, um nome ansiado, um nome que ele desejava dar às pessoas. Os vagabundos e viajantes daquela terra lhe inspiravam grande compaixão. Sentia sempre compaixão pelos homens, como se este fosse seu instinto natural. Não demorou muito para se apaixonar, e escolheu a mais bela mulher que encontrou, a que parecia mais digna de um grande destino. Ela, por sua vez, se encantou com algo indefinível em seu modo de andar. Ela nunca compreendeu o que era, ou porque aquilo beirava tanto o orgulho.
Seu filho nasceu. Deu a ele o nome de Aragorn. E pela primeira vez pensou, com uma certa estranheza, como se seu pensamente fosse incompleto, o que aconteceria com o bebê depois das grandes mudanças. Nunca pensou que não veria as grandes mudanças.
Agora é muito fácil dizer que ele esperou em vão. Mas em sua vida, Arathorn foi bravo e valente. Serviu aos homens e aos animais. Triste foi o dia em que percebeu que teria que passar a espada a seu filho. Pela primeira vez pensou que poderia não ser ele, como não havia sido seu pai, e que tudo o que poderia fazer era rezar que seu filho o fosse.
Se afastou dele enquanto ele crescia. Tinha lhe ensinado tudo o que sabia, todos os nomes, que perfuravam dentro de si como agulhas: todos nomes que não usaria nunca. Queria usá-los, queria levar as coisas aos seus lugares. Um certo conforto encontrou ao pensar em seu filho; ele seria o destino dos nomes, ele seria o fruto de uma vida de trabalho.
Arathorn passou seus últimos anos pensativo. Tentava entender o que lhe acontecera. Mais dias cinzentos se passaram, até que ele morreu em silêncio, sem palavras finais, sem despedidas, sem saber se cumprira ou não uma promessa. Sua esposa nunca ousou duvidar da existência de uma promessa. Mandou inscreverem em sua lápide:
"Das trevas a luz há de vir...
E em outra vida, os sem coroas hão de reinar..."
quarta-feira, junho 09, 2010
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