sexta-feira, agosto 11, 2006
Os sonhos de Clara Mellock - quarta parte
Velho Tom cofiou seu bigode devagar, piscou os olhos algumas vezes, apoiou-se em sua mão e serviu-se um pouco de chá. Finalmente, quando Mellock já não podia mais aguentar o silêncio ele disse devagarinho:
- Lamento, não sei se poderei realmente ajudá-la. Você sabe que sou uma lembrança apenas, então nada de concreto sairá de mim.
- Eu sei, claro, eu não esperava mais, atrapalhou-se a escolhida. Queria apenas que você olhasse esse papel, ela disse, tirando uma folha amassada do bolso. Desdobrou-a com cuidado e entregou-a ao senhor sentado. Isso é seu, não é?, ela perguntou.
Tom abriu com cuidado a folha maltratada. Com uma letrinha curiosa estava escrito o seguinte:
Sonho de origem duvidosa nº103535chM: Sonho de uma grande borboleta que voava por sobre um campo e entrava no moinho. Ela passa então a devorar os sonhos e a imaginação das pessoas, que estavam estocadas no moinho. Tudo fica escuro. O som de correntes e passos domina o ambiente. Era o dia do Juízo Final, quando todos os sonhos, os mortos, reviviam e a realidade desaparecia, se tranformava em um grande pesadelo. As pessoas esqueciam-se de quem eram e do que era ou não real e passavam a usar máscaras e a falarem sozinhas como loucos.
E mais abaixo, de tinta azul:
Sonho claramente subversivo forjado por um morador da Terra dos Sonhos para criar confusão. Não passa de uma fantasia de mau gosto.
Tom deu uma longa e agradável risada.
- Sim, ele disse por fim. Isso é meu.
- E esse sonho, é verdade? Mellock perguntou curiosa, inclinando-se em sua direção.
- Sim! ele respondeu arregalando os olhos muito sério. Isso é mais do que autêntico, apesar de que ninguém lá na Torre da Memória tenha acreditado. Sonhei isso, tenho a mais pura e cristalina certeza. É meu sonho, pode confiar.
- Mas eu achei que os habitantes da Terra dos Sonhos não pudessem dormir.
Neste momente Tom recostou-se na cabeça e olhou para o céu, como que pensando em uma resposta adequada. A paisagem mudara inteiramente ao redor dos dois. De uma floresta profunda surgiu um deserto seco e áspero. Mnéias, ainda uma inofensiva mariposa, voejava mais adiante, sem dar atenção aos dois.
- Nunca nada é totalmente seguro e não se deve ter certezas demais. Muitas coias que são dadas como impossíveis são apenas coisas que ainda não acharam chance de acontecer, pois tudo o que o ser humano é capaz de imaginar é uma possibilidade no real.
- Então o senhor dormiu?
- Pode-se dizer que não, mas eu sonhei, tenho certeza.
Mellock por sua vez caiu para trás, pensativa.
Tom olhou-a sorrindo enquanto bebericava o chá.
- Não é a resposta que você esperava ouvir, não é mesmo?
- Eu só queria saber, era uma curiosidade.
- Sim eu sei. Mas você também esperava uma resposta.
- Acho que eu queria que você me mostrasse que os habitantes da Terra dos Sonhos tem também um lugar em Mnéias, que eles podem sonhar.
- Mas eles tem! adiantou-se Tom. Eu mesmo sei, porque vivi aqui como lembrança durante muito tempo. Conheço algumas mentes e segredos deste lugar.
Mellock olhou para o céu pesado, cor de chumbo. Ficou meditando longamente, balançando os pés e contemplando o horizonte.
Tom cruzou os braços e também ficou a olhar o vazio.
- Você me ajuda?, ela pediu devagar.
- Tudo o que eu ainda puder fazer.
A escolhida se levantou da pequena mesa de chá.
- Preciso encontrar uma coisa... Uma pessoa para ser exata.
A lembrança de Tom deu outra risada. Eu sei, ele disse por fim. Sei quem você procura e onde achá-la, mas saiba que a memória dela está bem fundo, debaixo da terra. Teremos que escavar para achá-la.
- Você sabe a memória que eu procuro?
Tom olhou-a, testando suas reações - Mas é claro! Sei exatamente no que está pensando... Não venha me dizer que ainda não percebeu?
Diante do olhar inquisitivo da senhora ele prosseguiu:
- Esse tempo todo você esteve me buscando, pensando em como faria para desvendar o meu segredo e a minha morte. Acontece que agora, eu que sou lembrança e pensamento, faço parte de você. Você me pensou e abriu uma porta para que eu entrasse em sua cabeça. Eu sou você Clara Mellock, mas também sou algo além. Sou uma memória que você compreendeu e um pensamento que você lembrou. Eu não sou mais Tom; agora pertenço à todos que pensarem em mim.
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14 comentários:
que lindo ^^^
não existe morte .... Só o esquecimento \o/
Ai deuses, outro dia eu leio essa histórai, tou com sono v.v
desculpa cham v.v
Os comentários do Ugo são sempre iguais? O.o
Vale a pena ler, Ugo =]
Obrigada, Charles e Robin pelo prêmio * abaixa a cabeça *
Que legal... =)
eu realmente não sei por onde (re)começar a ler as histórias do Charles...
No seu perfil, as coisas estão em ordem decrescente de preferência?
Não... mas tem coisas que eu prefiro sim.
Tenta pelo capítulo nº01 ... Ih, é mesmo... não tem um capítulo nº01... Bom... então por onde você quiser.
¬¬ que grande ajuda!
Só por isso, vou encontrar um lugar ERRADO pra começar!
Táá bom... Acho que o lugar errado seja na história de outro.. Mas isso não importa muito.
hahaha vcs são confusos XD
então é aí mesmo que eu vou começar!
(uma hora depois:)
Então, qual exatamente é a relação entre Mizudinie e a Mrs. Dalloway?
Ah, as duas são mulheres... E gostam de peixe.
e as duas têm um nome legal que lembram água ^^
É, não é?!!
Só que Dalloway lembra muito mais um rio, ou riacho...
Acho que você está certa..
Pronto Artur! Você acaba de começar a ler Charles! (pelo jeito difícil, mas tudo bem...)
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