terça-feira, agosto 14, 2007

Rumo à Esperança II


Para se chegar em Dublin por terra há uma estrada tortuosa e pontilhada por rochas, que as carroças não se atrevem a percorrer.
Alguns poucos cavaleiros passam diariamente pelas suas encruzilhadas, controlando com mãos firmes os cavalos descontentes, tentando desviar das pedras que se deitam preguiçosas no meio do caminho. A montanha inteira é um obstáculo cansado e solto no meio da estrada, que ouve todo dia os suspiros dos cavaleiros exaustos e seus cumprimentos formais, estabelecidos por uma côrte de um país distante.
Alguns vêm de Carnak, outros de Montshell, e conversam sobre o lugar fabuloso onde existe um imenso lodaçal que chega inclusive a cobrir uma parte do mar. Dizem os cavaleiros que já se aventuraram por Glum, que este pântano vasto e adverso tem ilusões mais perigosas do que qualquer outro: lá se vêem pessoas também, mas neste pântano, exepcionalmente, só se vêem os que já morreram e a quem queríamos bem. Alguns temem ver a si próprios nas imagens mortas, outros se jogam por vontade própria no lodaçal para rever por apenas um instante - belo e falso - a figura daqueles que se perderam.
Cruzar o pântano de Glum não é fácil, dado que é populado por visões ilusórias, cercado pelo mar (o qual invade por algumas boas braças) e fechado ao sul pelo monte Higuerota, um grande pico nevado com pretensões vulcânicas, que assoma potente por sobre o estreito de Belonave, como se dominasse os passos que levam os viajantes de um continente a outro.
Existe no final de Belonave, ao sul do Higuerota portanto, diz o geógrafo Gazar, uma floresta perfeita, em algum lugar da terra de Cortésia. Para cada um que entra, ela assum diferentes aspectos de encantamento e se torna uma floresta ideal. Um rei de outrora construiu uma casa nesta floresta, para habitar entre os períodos de tensão na côrte. Hoje, a magnífica casa sem paredes que o rei construiu ainda existe, mas é habitada somente pela moça da limpeza, a única da côrte que foi para a floresta e ainda espera o Rei visitar a casa. Enquanto este se detém em seu país, oucpado e cheio de propósitos, seus móveis são sempre limpos e organizados pela moça da limpeza, que todo dia expulsa meticulosamente todos os insetos da casa sem paredes. A cada manhã - é inevitável - voltam os gafanhotos, os louva-a-deus, as joaninhas tão coloridas, as formigas sempre atuantes, os besouros enfurnados em suas carapaças e as lagartas, tão preguiçosas e sonhadoras que um dia chegarão a borboletas. Dizem que estes insetos não são parte da floresta ideal do Rei, mas sim da moça da limpeza, que tem olhos rápidos e imaginação certeira para perceber os pequenos bichos e brincar com eles um jogo eterno de busca e conversação.
Para se chegar em Dublin por mar é preciso cruzar as Simplégadas, rochas enormes que devoram os navegantes e que dizem ser monstros. Não acredito: já são muito terríveis sendo apenas rochas, não é preciso imaginar muito para ouvir seu ronco surdo eos ruídos crepitantes dos naufrágios.
Próximo às Simplégadas fica o estreito escuro, uma faixa do Oceano encoberta por treva, que faz perder o melhor dos navios, guiado pelo melhor dos heróis. Dizem que se algum humano cruzar o véu de escuridão, ele se romperá e se fará o dia novamente por aquelas águas; nenhum deve ter conseguido, pois ainda é possível enxergar de longe o estreito escuro, impedindo a rota para a Esperança, a cidade onde poucos caminhos vão dar.
Esperança é uma cidade linda. Encrustrada na rocha vermelha, ela olha a paisagem colorida se transformar durante o dia: de manhã os campos são lilases e o céu claro e azul, de tarde ela é verde e amarela, e ao pôr do sol o mar se tinge de vermelho-rubro e cobre o mundo de sentimentos impressionantes.
Em Esperança habitam rapazes altivos e serenos, que aos sábados são levados ao porto pelo burgomestre para exercícios navais. Todos sonham em liderar a priemira esquadra que sairá de Esperança e atravessará o estreito escuro, trazendo assim outros barcos para a cidade.
O burgomestre, vestido inteiramente de vermelho, ensina-os sobre as cordas e as velas e sobre quais ventos aproveitar e quais evitar. Quando vira de costas os rapazes começam a conversar sobre as moças e com quem iriam se casar. Não é raro saírem dali brigas e inimigos eternos. Mas tudo é tornado pior na segunda-feira, dia em que o burgomestre se veste de laranja e ocupa-se dos viajantes que chegaram à Esperança no domingo. Aproveitando os prazeres e a boa recepção da cidade, alguns dos estrangeiros cortejam as donzelas caladas e convidam-as para verem o mundo em sua companhia. Os rapazes, loucos de inveja, são obrigados a ficarem afasatados, treinando com suas espadas de madeira no campo próximo à cidade. Não é raro saírem mais machucados do que o esperado de exercícios.
Ao fim do dia, as moças vão se banhar no pequeno lago entre as rochas vermelhas e os rapazes as espreitam dos juncos na ravina. Escutam para saber qual viajante despertou-lhes o coração, de qual devem desconfiar e traçam planos e vinganças perfeitas.
É tudo inútil, pois no amanhecer do dia seguinte os viajantes recebem a carta de despedida e os rapazes voltam aos seus exercícios navais, sonhando mais uma vez em vencer as guerras, liderar a esquadra, conquistar as donzelas...

2 comentários:

muriel disse...

que bonito.. gosto de ler sobre Esperança.

Mas como os viajantes chegaram lá se o único jeito é pelo estreito e aparentemente ninguém conseguiu atravessar?

Anônimo disse...

Existem caminhos por terra. O estreito é só pelo mar.

P.S. - Veja mais embaixo.