domingo, novembro 09, 2008

Bisitaita (song of consolation)

Todos os parentes formam uma roda ao redor de sua cama. A tia fala:
- Mas você deve ir ao casamento.
E sim, ela canta ao falar.
- Sim, é seu dever, você precisa se lembrar do seu lugar nesta comunidade, falam os outros parentes. E eles falam tudo em coro.
- Ou senão ela ficará tão triste!, faz a tia
- Vai ficar arrasada, despedaçada, desgraçada!, faz o coro.
Tia. Coro. Tia. Coro. Ela passava a idéia geral e eles dramatizavam.
- Será ruim para a família!
- Vamos cair em desgraça, ninguém mais vai querer falar conosco!
- A noive pediu explicitamente sua presença.
- Ela considerá absolutamente necessário que você vá!
Agora eles olham para você. Todos os parentes enfileirados observam por sobre os ombros atarracados da tia. Qual será sua resposta?
"eu não posso ir" soava sua voz débil e infeliz.
- Como você não pode ir?
- Tem pernas, tem braços, tem cabeça! Não tem é razão de perder um evento destes!
- Acha que é tudo uma brincadeira?
- Acha que somos bobos, que somos enganados, que vamos deixar você estragar tudo sem motivo?
Ah não, você pensa. Tem motivo sim.
- Você deve ir. grita a tia, levantando os braços dramáticamente.
- Você deve ir. gritam os seus parentes, batendo contra o peito, o rosto, as pernas, fingindo que choram da desgraça, que tudo acabou.
Sua alma esmigalhada, sua vergonha exposta. Por que a noiva, de todas as pessoas, queria que você fosse ao casamento dela, ainda mais depois de você ter deixado bem claro que esse é o pior acontecimento, passado e futuro, de sua vida, que de agora em diante não tinha a menor pretensão de ser algo melhor do que meramente infeliz.
Ah, mas a tia...
- Só te fará bem se for.
- Não pode ao menos dar um motivo sequer para não ir, vejam que impertinência!
- Levante-se dessa cama.
- Saia daí que o quarto já está escuro, está fedido e bagunçado e não aguentamos mais ter um preguiçoso em casa, um belo dum faz-nada imbecil que só nos dá trabalho!
- Ouviu-nos, não ouviu? fala a tia.
- Ouviu muito bem, que estamos morrendo de preocupação e quase que temos um ataque de nervos pensando no seu bem e você que não sai daí só nos preocupa demais!
- Olhe que há coisas piores para se acontecer, diz a tia.
- Enchente, furacão, falta de colheita, incêndio, filho que não vai no casamento, guerra civil, assassinato, tanta coisa ruim, tanta tragédia da qual fomos salvos!
- Muito piores que um coração partido.
- Muito piores!
- Então se levante, diz a tia e os parentes começam a rodar ao redor de sua cama, falando todos juntos e sem pausas.
- O que você pensa, estamos preocupados, não importa a moça, você precisa ir, se ele ao menos fosse mais velho, tudo será resolvido, em poucos instantes tudo se acabará, construímos dedicadamente, virada, rompante, desastre, megera debilitada, começam as brigas, onde ele vai, será que ele escolhe, o que podemos fazer, vamos deixá-lo, não podemos deixá-lo, tudo o que acontece é.
Você está no meio do furacão familiar que não o deixa pensar. Todos os parentes olham para você e sem entenderem nada da situação podem falar os comentários mais destruídores possíveis.
- E na dor você levanta, fala a tia.
- E na dor você levanta.
Naquele dia você continuou e foi ao casamento.

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