terça-feira, novembro 11, 2008

Sote Tulifurahia (?)

Mentira sempre chorava quando era hora de partir.
E ai-ai-ai! - Como chorava esta menina!
- Está triste por que? Perguntávamos. Por que esse choro?
- Não é choro, ela respondia. É chuva!
Então é chuva! E ríamos, prontos para tocar o violão. Quando nos distraíamos, ela saía para falar de mim para suas amigas:
- Meu tio não passa de um mentiroso, ela dizia.
Mas será???
Puxa, mas eu diria de outro modo:
- Meu tio é um grande mentiroso!
- Meu tio tem treinado à perfeição a excelsa arte de falar o que a verdade esqueceu.
- Meu tio sabe tudo! Até aquilo que não aconteceu!
- Meu tio... ora, nem me faça começar! Senão são histórias que não acabam mais. Sabia que ele já foi pra China? Até pra lá sim! E no caminho ele passou pelo Pólo Sul, para dar carona para um cientista perdido. E porque não? Muito longe? Mas ele estava à bordo do navio mais rápido do mundo! Nunca ouviu falar no Azul? Tão bonito, tão bonito... Mas o tio saberá descrevê-lo melhor; peça que ele te conta sobre o mastro, tão firme e tão alto quanto uma sequóia, ou sobre as velas, cheias de furos porque os pássaros passavam reto, achando que era só mais uma parte do céu, de tão grandes que eram. E lá na China o que ele fez? Ora, ele pegou uma estrada para a Índia! Claro que seria mais fácil ir direto para lá, mas que graça teria? E na Índia o que ele fez? Foi ouvir um homem cantar na Caxemira para chamar os anjos. Claro que isso existe! Meu tio viu pessoalmente, de primeira mão, esse acontecimento fantástico, ficou fascinado, fala sobre isso até hoje. Se ele chegou a ver um anjo? Pergunte a ele, é uma de suas histórias favoritas. O que ele fez no caminho? Ora no caminho ele descobriu e perseguiu um grupo de mascarados que raptavam crianças nas aldeias. Ou será que isso foi no Peru? Pouco importa mesmo, como todas as histórias do tio, essa também aconteceu em todo lugar. O que importa é que ele encontrou-as todas, as crianças raptadas. Sabe onde estavam? Atrás das máscaras! Eram os mascarados as próprias crianças, treinadas e crescidas do outro lado que raptavam seus antigos parentes. Terrível, eu sei, mas quer saber mais? Ele encontrou um homem ainda mais perverso nas suas viagens. Um homem que botava fogo nas aldeias por onde passava. Dormia por um dia e no dia seguinte, quando acordava, deitava fogo em tudo e chegava a matar algumas pessoas que tentavam apagar as chamas. Quando conheceu esse homem detestável meu tio resolveu ir embora o mais rápido possível e pegar a estrada no sentido contrário ao que ele seguiria, só para ter certeza de que não se cruzariam mais. E sabe o que ele encontrou? Dois caçadores, um adulto e um garoto, no rastro daquele homem havia dias! Estavam determinados, porcurando o que puseram na cabeça de encontrar. Sim, existem homens que não desistem, que são tenazes em procurar as coisas mais difíceis possíveis. Se meu tio procurava alguma coisa também? Bom, pudera, com tantas andanças pelo mundo ele devia estar mesmo a procurar alguma coisa. E, se não me engano, eu sei o que é. A única história que o deixava triste é falar do dia em que ele foi àquela ilha cujo nome eu esqueci, no arquipélago tal. Ele falou de uma viagem de canoa e de uma cabana que conheceu, mas nunca entendemos porque ele foi tão distante para conhecer apenas uma cabana. Seria um interesse pela arquitetura nativa? Seria alguma vaidade passageira? Seria o que ele tanto procurava com todas as andanças? Sim, acho curioso como uma pessoa como o tio não consiga ficar quieta, está sempre viajando, arrumando confusão, parece que tem uma mala de motivos à mão! Não pára nunca. Mas isto é de agora também... Minha mãe conta como antes era difícil tirá-lo da cama para fazer alguma coisa. Doente? Que nada, preguiça mesmo! Eu ouvi minha mãe dizer que chegou um momento em que tiveram que ir todos os parentes para convencê-lo a sair da cama. Mas ó, cá entre nós... acho que era uma garota, isso sim. Não diga que fui eu quem falei, o tio pode ser um pouco sensível às vezes, não quer espalhar para todo mundo que uma bela espanhola partiu seu coração quando era muito jovem. Acho que era por isso que ele nunca saia da cama. E agora, olhe só! Não fica mais quieto. Se é verdade tudo isso? Ah, não sei; se você pensar bem meu tio não passa de um mentiroso, um gato ladrão, uma raposa, um disfarçado, um sem vergonha de um fingido. Sabia mentir mesmo quando falava a verdade. E até sabia usar a verdade para mentir para ele! Por isso aqui em casa a gente não dá muita fé não. Ouve as histórias sempre com um sorrisinho, sabe? acreditando e não acreditando, ouvindo e não ouvindo. Mas no fundo, e se contar isso eu estou acabada, segredo total!, é o seu fim se espalhar isso: No fundo, estou feliz demais de ouví-lo mentir! Estou chovendo pelos olhos de alegria por saber que ainda se contam histórias no mundo.

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