quarta-feira, dezembro 03, 2008

Dia do porco, dia de história


Pigmaleão Focinho Terceiro era o capitão do navio no qual embarcaríamos, Percival e eu, em direção ao Mar Oceano e ao Reino dos Homens.
- Sejam bem-vindos meus caros! - ele nos recebeu com um abraço desajeitado e rechonchudo e logo virou-se para a tripulação e começou a desfiar um assustador colar de imprecações e palavrões com nomes tão sujos que demoraria uma vida inteira de marinheiro para colecionar - Por isso se apressem e andem logo molengões, pois não me importa se foi o vizir em pessoa ou não sei quem que mandou esses dois gatinhos aqui, eu quero partir o quanto antes e Deus me livre de sair nessa neblina!
Eu e meu companheiro nos olhamos, impressionados com a fúria que um porco tão gorducho podia demonstrar de uma hora para outra.
- Não se assustem pelos seus gritos - nos confidenciou um dos marinheiros, uma velha cegonha cansada - Ele fala assim mas no fundo não passa de um coração mole. Ele está só preocupado em sair logo e adiantar a missão de vocês. Mas está mais preocupado porque terá que sair nessa neblina e ele teme antes de mais nada colocar sua tripulação em risco.
- Não há ninguém mais confiável nesses mares do que o capitão Pigma - disse outro marinheiro - Em sua boca suja depositamos a maior das confianças e seguimos seus palavrões para o fim do mundo.
Pigmaleão voltou para nos receber.
- Já estamos saíndo, senhores apressadinhos. Dois gatos arrumadinhos como vocês não têm lugar em meu convés, por isso é melhor irem logo para os seus quartos e deixarem os marinheiros trabalhar em paz! Andem, andem, que já atrasaram muito minha partida!
Eu e Percival corremos para dentro do navio e esperamos até que um marujo nos apontasse algumas redes em um canto escuro. Meu companheiro deitou-se logo em uma delas e suspirou com um sorriso:
- Nada como o lar, não?
Deixei minha sacola de viagens em um canto e subi para cima, desrespeitando a ordem do capitão. Lá, os homens trabalhavam atarefados e corriam para cima e para baixo, alguns com mais ou menos perícia, como aquele macaco que subia rapidamente pelo mastro, muito diferente dos porquinhos desajeitados que ofegavam nas primeiras cordas.
Pigmaleão gritava com uma voz imperioso, enfurecido. Ou assim parecia. Quando parou para descansar, ao meu lado, já navegávamos mar adentro.
- Com essa maldita neblina não dá para ver nem mesmo se deixamos ou não a Baía dos Gatos - ele confessou.
- Você imagina que ela durará até a costa de Florença? - perguntei.
- Não há como dizer. Este tempo miserável, parece até uma conspiração.
Esperei por um tempo mas o mar continuava denso e intransitável. Desci para baixo e encontrei Percival engajado em um jogo de baralho com outros marinheiros.
- Venha Lancelot! - ele gritou - Logo mais e nossa passagem estará paga!
Arrastei-o pela orelha até nosso canto.
- Tente não chamar atenção para nós - sibilei - Esta é uma missão secreta, não sei se você percebeu. Estamos perdidos em um labirinto de pistas confusas e um pouco de descrição não nos faria mal.
- Eu sei, eu sei, Lancelotzinho - ele murmurou, fazendo sua carinho doce - Mas justamente por estarmos tão perdidos é que precisamos de mais ajuda. E em nossas missões você aprendeu que a ajuda vem dos lugares mais inesperados; jogar cartas com os marinheiros é apenas mais um dos meus modos de conseguir informação.
Cocei meus bigodes, pensando devagar.
- Creio que desta vez você pode estar certo.
- Quando perdido, faça amigos! - ele sorriu. Com passinhos leves e bem-humorados retornou para a roda de marinheiros.
- Nossas pistas para perseguir o calendário eram apenas que se tratava de um documento cifrado - falei comigo mesmo - Cujo caminhar dos dias é na verdade um caminho para... um tesouro? Um segredo? Ninguém sabe. Os dias são pistas e o calendário é a chave. Mas ninguém sabe quem o confeccionou e quem sabe lê-lo. Só sabemos que ele foi roubado pelo lendário pirata felino e trazido para o tesouro do Reino. Há duas semanas ele foi roubado de novo e ao que tudo indica era um trabalho interno. Seriam os emissários do Papa tentando recuperar o objeto tirado de seu navio?
Enquanto me via perdido em pensamentos, imaginando como poderíamos conseguir alguma pista, o barco começou a oscilar perigosamente. De uma hora para outra nos vimos enfrentando um mar bravo que chacoalhava sem parar a pequena embarcação de madeira.
Subi apressado para o convés, a tempo de ver o comandante Pigmaleão gritando mais enfurecido do que nunca.
- Parece que saímos finalmente da Baía dos Gatos, hein? - ele piscou com seu olhos rechonchudos.
- Esta tempestade é normal por estes mares? - perguntei ao borrifado no rosto por um pouco de água salgada.
- Nem um pouco! Ainda menos nesta época do ano! - ele gritou, em louca alegria.
Um marinheiro cansado, a cegonha cinzenta com a qual eu havia conversado, veio para perto de nós e anunciou:
- Acredito que tenhamos perdido o rumo capitão - e, depois da chuva de impropérios - Não senhor! Não temos idéia de onde estamos! A neblina não cede e os mapas não servem para nada. Até a bússola enlouqueceu!
- Onde for necessário, ajudaremos - acrescentei, retirando meu chapéu em uma reverência. Ao mesmo tempo a chuva começava e o vento uivou sinistro, como se estivéssemos perto demais de algum gigantesco rochedo.

Nenhum comentário: