terça-feira, dezembro 02, 2008

E hoje é o dia do gato branco. Também em sua homenagem, uma história

... Percival, o gato branco mais curioso e vivaz que eu já conheci. Juntos, eu e Percival realizamos as missões mais arriscadas do Projeto, lado a lado.
Ele era um gato animado, cheio de vida, sempre demonstrando seus sentimentos com um charme arrogante que não admitia censura alguma: pelo contrário, ninguém podia sentir por ele nada além de exuberante simpatia. E eu... bem, poderíamos dizer que sempre fui do tipo mais reservado e taciturno, que prefere o silêncio a uma conversa. De qualquer modo, éramos uma bela dupla, ele e eu, o gato branco e o gato preto. Cumprir missões para nós era uma diversão fantástica.
Até que um dia o Rei dos Gatos nos chamou. Corremos até seu palácio e subimos pela longa escadaria. Caminhamos devagar pelo longo salão comprido, examinando as tapeçarias que contavam a nossa História secreta. Então Percival me confidenciou um de seus medos:
- Você acredita que um dia os Gatos e os Humanos poderão encontrar paz? Você acredita, Lancelot, que nossas missões estão trazendo esse futuro para mais perto de nós, um futuro comum de amizade e compartilhamento?
- Acho que você não tem com que se preocupar, meu caro - eu respondi - Claro que os humanos não estão prontos para nos receberem agora, assim como não estão prontos para receberem os outros milhares de reinos e províncias maravilhosas esescondidas nos limites do mundo. Mas acredito que as missões que realizamos estão nos levando para esse caminho. Senão, porque o vizir Chacauner nos encarregaria delas? Não acredito que exista um único cortesão em nosso reino que seja contrário a formação de uma amizade duradoura entre os mundos.
Percival retrucou de seu modo divertido, como se brincasse. Retirando seu florete da bainha executou uma dança acrobática de pura vaidade e caminhou sorrindo o resto do trajeto para o salão de audiências reais.
Lá encontramos o Rei sentado em seu trono (uma escrivaninha de madeira escura na frente de uma linda cadeira acolchoada de vermelho). Ele abriu os braços contente e falou conosco:
- Caros Ying e Yang, Dia e Noite, Sol e Lua, Percival e Lancelot, meus melhores gatos!, ele nos cumprimentou, de um modo que fez com que Percival se derretesse de orgulho - Estou feliz demais em contar com vocês.
Abaixei-me em uma saudação:
- Ficaremos mais do que honrados em ajudar Majestade. Trata-se de uma missão?
- Qualquer missão que seja - disse Percival - Iremos realizar com a maior das alegrias e de um modo tão satisfatório que o reino inteiro irá celebrar por sete dias e sete noites!
Como sempre, meu amigo tinha o dom de falar demais.
O Rei sorriu e se levantou de sua cadeira de aparência mais do que confortável. Com o passo claudicante caminhou até um armário que abriu devagar e com cuidado. Lá de dentro tirou uma caixa e de dentro desta outra caixa e de dentro desta um objeto envolto em pano.
Esse me parece o melhor momento para descrever o Rei dos Gatos: Um felino idoso, de muitos anos, mas que parecia estar sempre em sua melhor forma: sua pelagem cinzenta resplandecia, assim como a leve penugen branca ao redor da boca e seus bigodes compridíssimos. Tudo ao seu redor tinha uma aura de sabedoria e paciência. Sua inteligência era veloz e sempre surpreendia os cortesões, pois contava ainda com o dom de inventar apelidos, como quando nos recebeu na sala do trono.
Ao lado do Rei Michaelis estava sentado, como sempre, a sinistra figura do vizir Chacauner. Sempre presente, como uma sombra do Rei, o vizir lidava tanto com as questões de estado quanto as do departamento de assuntos estrangeiros. Portanto, é preciso explicar que o comandante do Projeto Elizabeth, do qual fazíamos os dois parte, era o vizir Chacauner em pessoa.
O Rei Michaelis reirou cuidadosamente o pano que envolvia o misterioso objeto. Diante de nossos olhos se descortinou um tesouro e uma visão horrível: o rei segurava uma caveira de um gato, com os olhos grandes e vazios e os dentes tortos, e em seu interior uma porção de enormes e vermelhas pedras preciosas, faiscando sedutoramente.
- Isto - anunciou o vizir Chacauner - É o tesouro de Humur-Mayan.
- O lendário pirata felino que saqueou todos os portos dos mares do sul?! - perguntou entusiasmado Percival - Este é o famoso tesouro que ele deixou para trás em sua última viagem?
- Sim - continuou o vizir - Esta é a famosa coleção de rubis, mais valiosa do que cinco reinos, mais pergiosa que qualquer outro artefato amaldiçoado, com o crânio de seu arqui-inimigo servindo de recipiente. Ela estava escondidos na Caverna dos Pesadelos, até que nossos antepassados, os fundadores do Projeto Elizabeth, os gatos Stephen e Orlando, recuperaram de lá e trouxeram para fazer parte do tesouro real dos gatos.
- Porém, - o Rei dos Gatos disse, enquanto recolocava a caveira e os rubis dentro do pano, dentro de uma caixa, dentro de outra caixa - Este não é o tesouro completo.
Encarei Percival e este me olhou.
- Falta ainda a que talvez seja a parte mais importante do espólio que Humur-Mayan, o gato pirata, deixou escondido. Em um de seus saques ele acabou roubando um navio do próprio Papa...
- Você quer dizer o sacerdote-mor dos humanos? - perguntei.
- Sim, o próprio - continuou o Rei Michaelis - E dentro deste navio um tesouro inestimável. Porém, cifrado. Ele foi recuperado da Caverna dos Pesadelos junto com a caveira dos rubis e estava guardado aqui mesmo no Palácio. Porém, não fazem mais de duas semanas, ele desapareceu.
- Isso é impossível! - bradou Percival - Como ele pode ter sumido? Qualquer artefato guardado aqui está automaticamente livre de roubos. Não há como qualquer estrangeiro entrar no cofre do tesouro dos gatos!
- Exatamente - murmurou o vizir e deixou seu olhar sombrio pousar em nós.
- Você não acha que... - disse o gato branco, assustado - E você Lancelot, acha que é possível que alguém de dentro tenha feito isso?
Neguei com a cabeça.
- A nossa defesa é a melhor do mundo. Se um objeto do tesouro do pirata foi roubado daqui, podemos ter certeza de que se trata de um trabalho interno.
- Exatamente como imaginamos - continuou o Rei - Por isso resolvi pedir para o Projeto Elizabeth que resolva a questão. Temos nossos melhores homens investigando o assunto. O vizir Chacauner em pessoa alistou seus melhores espiões para darem uma olhada no caso. Porém nenhum gato jamais roubou nada do tesouro. Estamos diante de um evento sem precedentes na História deste reino!
E com uma voz mais baixa acrescentou:
- Vocês dois estão aqui por outro motivo. Depois de uma busca rápida, chegamos à conclusão lógica de que o resto do tesouro de Humur-Mayan foi levado para além das fronteiras do reino, mais especificamente para o Reino dos Humanos. Caberá então à vocês dois a difícil missão de se infiltrarem novamente entre os homens e recuperarem o nosso tesouro perdido.
- Estaremos investigando por aqui - disse o vizir, dando um passo à frente - Mas devo dizer que ainda estamos sem pista alguma. Devido á urgência da questão, vocês devem partir imediatamente, mesmo sem saber onde ir, mesmo sem saberem com quem procurar.
- Aceitamos a missão de bom grado - respondi, fazendo uma longa reverência ao rei e ao vizir, abaixando meu chapéu grande com plumas - Mas antes uma pergunta: No que consiste exatamente esta outra metade do tesouro do pirata, roubado do navio do próprio Papa, que o senhor chamou de cifrado?
O Rei e o vizir se olharam e sorriram.
- É um calendário.

Um comentário:

Utak disse...

Ai Ai Ai que história interessante!