sábado, dezembro 13, 2008

No Dia da Mãe Porca... Ouve-se uma história.

Florentina era uma florentina. Fora essse simples jogo de palavras, podemos dizer que ela era grande, gorda, com seios enormes e volumosos, além de trabalhar como estalajadeira com seu marido, sempre mostrando aquele seu sorriso meio triste, que parecia dizer "eu não sei se nasci para sorrir" e com olhinhos pretos perfeitamente redondos a mirarem os fregueses da taberna, onde seu marido ficava recebendo os clientes.
Certo dia, ela encontrou uma ocupação inusitada. Mesmo cuidando de uma criança de colo (seu filho bebezinho, tão pequeno, tão fragilzinho naqueles braços rechonchudos) ela arrumou tempo para ajudar um simpático gato branco que apareceu em seu quintal.
Era Percival, que, despojado do florete e da capa, ronronava sempre que recebia o leite de Florentina na porcelana branca. Nos três dias que ele e os outros animais habitaram o quintal da pequena estalagem, ele sempre visitava a mãe gorda quando tinha fome. E sempre era tratado com o maior carinho possível.
Já Pigmaleão, mordia-se de raiva pelo tratamento especial que Percival recebia, bem diferente de ter de viver em um chiqueiro da estrebaria - quem diria que era assim que os porcos tinham de viver neste mundo! De humor um tanto quanto baixo, ele costumava ficar muito tempo deitado em meio à palha, somente espiando por uma fresta da porta a agitada rua da frente.
Já os outros marinheiros, estes logo se sentiram em casa e ocuparam tranqüilos as áreas livres que puderam encontrar. A cegonha cinzeta fez um ninho sobre a chaminé. O sagüi acomodou-se na árvore do quintal. Os outros porcos não se importaram nem um pouco com a pequena estrebaria e passaram a viver entre os cavalos e vacas que eram colocados ali.
Durante as refeições, um cheiro delicioso vinha da estalagem, administrada pelo marido de Florentina. Enquanto os da estrebaria se apertavam de fome, Percival logo escapulia para perto da mulher gorda (que se encontrava sempre junta de seu bebê) e arranjava uma refeição para si.
No resto do tempo, o gato branco observava os que chegavam e saiam da estalagem. No final do dia, se encontrava com Pigmaleão e lhe dava um relatório:
- Hoje vi um homem de cabelos louros e compridos, um homem de pequenos óculos lendo jornal, cinco garotas de idade escolar e um rapaz que entregava cartas.
Uma noite, três dias depois de terem chegado á Florença, Pigmaleão esbravejou:
- Não vamos chegar a lugar nenhum deste modo! Precisamos achar seu amigo, precisamos procurar o calendário, precisamos é contactar o Reino dos Gatos e avisar que todos os problemas imagináveis aconteceram! Não dá para continuarmos tranqüilos deste modo, algo deve ser feito!
- Mais do que o Reino dos Gatos... - disse Percival, pela primeira vez se dando conta da responsabilidade que tinha à sua frente - Preciso avisar o Projeto Elizabeth! O primeiro ministro e o rei devem estar mais do que preocupados.
- Nunca lhe ocorreu que podíamos avisá-los? - resmungou o porco - Ao menos eles aceitariam enviar reforços?
- Talvez sim... apesar de ser uma investigação interna também. Sabe como é, devemos nos preocupar com o traidor que há entre nós, por isso é mais arriscado envovler outros gatos.
- E Lancelot, seu amigo, alguma pista?
- Nenhuma - suspirou o gato branco, parecendo ao porco tão solitário no mundo que estava desprotegido de tudo.
- Sabe o que eu penso? Devemos sair daqui esta noite.
E, após uma silenciosa pausa da parte dos dois, que conversavam em um canto escuro, entre a palha e a madeira, Pigmaleão continuou:
- Deixaremos meus homens cuidando de tudo por aqui enquanto investigamos cada canto da cidade. Vamos revirar cada segredo que encontrarmos para ver se podem explicar os nossos mistérios. Estou cansado desta estrebaria suja: o que você acha de sairmos esta noite para explorar as ruas escuras de Florença?
- Plano magnífico, caro companheiro! Afinal, sendo um gato, não terei a menor dificuldade de desencavar segredos nesta cidade. Excelente idéia. Por esta noite ampliaremos nossa busca!
E, percebendo que Percival estava começando a se animar demais (o que significava que logo iria longe demais nas idéias), Pigmaleão interrompeu-o com detalhes práticos:
- Como sairemos daqui?
- Vamos esperar a noite chegar definitiva. Quando as pessoas estiverem dormindo sairemos pelo quintal, passando pela parte de trás da estalagem, para evitar os clientes que ficam até tarde na taberna.
Dito e feito. Assim que pensaram ser seguro sair, Percival e Pigmaleão se esgueiraram contra o muro e caminharam devagar na sombra. Os marinheiros estavam já enrolados em seus cantos, se preparando para um sono profundo. Tudo estava mais do que silencioso, até mesmo na taberna, onde o marido de Florentina arrumava tudo antes de dormir ele também.
Por isso, acharam estranho ouvirem um som vindo de um dos cantos da estalagem. Como era caminho, chegaram mais perto. Era Florentina, que de seu quarto recitava alguma coisa ao seu bebê, que demorava a dormir.
- Você conhece a história do Natal? - ela perguntava, com uma voz macia e carinhosa.
- Que coisa estranha... - disse Percival, escondido ao lado da janela da senhora florentina - Por que ela faz uma pergunta a um bebê? Como ela espera que ele responda?
- Faça silêncio e vamos ouvir! - ordenou Pigma que também se aproximara da janela aberta para ouvir a história.
- Há muitos anos, há muito, muito tempo atrás, um bebê nasceu. Era um país distante, um país diferente, onde eles perseguiam bebês como você. É, como você sim. Eram homens maus, que não tinham hesitação de matarem por prazer.
- Que história terrível! - disse Percival, fechando as patas - Por que ela conta isso ao seu filho?
- Então um dia, uma família viajava. Eles atravessavam o deserto, estavam muito cansados. E chegaram a uma cidadezinha muito pequenininha. Tão pequena perto das outras cidades quanto você é pequeno perto de mim.
- Acho que já ouvimos o suficiente, temos que ir - disse o gato branco, puxando o braço de Pigmaleão. Porém, o porco não queria sair de seu lugar, talvez maravilhado com a gorda mulher que falava baixinho. Talvez algo nela o lembrasse de alguém; alguém de muito tempo atrás que ele mal podia se lembrar. O seu volume rechonchudo, seus braços roliços, tudo nela era uma suave curva.
- Não havia lugar para pararem - a voz continuava - A família não podia encontrar nenhum quarto para dormir. E a mão estava grávida, como eu estive antes de ter você.
Pigmaleão piscou os olhos devagar e prestou atenção à Percival.
- Sim, devemos ir... - ele balbulciou.
Os dois animais deixaram a gorda estalajadeira contando sua história e escapuliram noite adentro.

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