terça-feira, janeiro 16, 2007

domingo, janeiro 07, 2007

O Casamento das Raposas

Quando saímos para velejar fazia um agradável sol. Pouco tempo mais tarde, do outro lado da ilha, ao olharmos para trás, vimos a Serra do Mar no continente sendo tomada por uma cinzenta e enorme núvem de chuva (assim mesmo, com acento). Aos poucos a chuva ia avançando e descendo pela montanha até que não víamos mais a cidade de onde havíamos saído. Sem vento, não restou alternativa senão esperar a chuva de verão nos alcançar. Aos poucos não víamos mais a costa, envolta em uma núvem cinza. Mais aos poucos ainda a chuva caía e nos adocicava.
De um lado, o sol, do outro a chuva. Estávamos no limiar, entre os dois; quase como naquelas cenas de desenho animado: um dos lados era cinza e tempestuoso, o outro ensolarado e azul.
Dizem os japoneses que, em dias assim, as raposas se casam. Parecia um festival das raposas, um grande casamento coletivo. Isso porque a chuva passou por nós e voltou o sol. Navegamos na direção da ilha e voltou a chover com o céu azul. Pouco mais tarde, o sol abriu com toda a sua força, queimando-nos. Mesmo assim, as raposas estavam decididas a se casarem, pois começou a chover mais uma vez, com o céu aberto e azul.
Poucas coisas são tão interessantes quanto a linha tênue que separa a chuva do sol. Não me admira que os animais mágicos escolham este lugar encantado para suas cerimônias.

sexta-feira, janeiro 05, 2007

pequeno símbolo de uma gota - II

Mizudinie viu tudo ser perdido. Viu a cidade presa e os homens vencidos. Comodoro Francis puxou-a pela corda com que a amarrara. Logo atrás vinha Cleena Tétis, antiga líder e sacerdotisa dos tritões e atual prisioneira demoníaca.
Francis rumava imperioso para seu navio de guerra. A batalha terminara em remorso, com a destruição de Luna pelo terrível monstro marinho e pelos canhões dos navios de guerra.
Sozinha, Mizudinie se viu chorando. Não quis olhar para trás para não ter de suportar o olhar angustiado de Cleena ou ter que ver Sidra caída no chão. Francis puxou a corda com violênica e gritou aos homens do navio
...um milagre!...
Mizudinie rezou por um milagre, mas o céu permaneceu escuro. Agradeceu-se por ter deixado seus amigos em Corália, onde ficariam a salvo. Os tentáculos do monstro arrancavam o telhado de mais uma casa. Mulheres e crianças prisioneiras choravam em fila.
(As lágrimas vertiam-se no rosto da escolhida da Água)
Mas comodoro Francis ria pela sua promoção. Eliminara os demônios, salvaguardara as forças da ordem e do mundo!
Em seu discurso heróico, na direção da prancha de embarque definitiva, honrava-se pela brilhante idéia de seguir a mulher até a cidade escondida dos tritões, agora uma ameaça do passado que-
Mizudinie viu, através dos olhos marejados de lágrimas, um acontecimento lento, como se o mundo tivesse girado devagar. Ela viu Francis se erguer inclinado para trás e cair longe, em meio à fumaça e ao fogo; sentiu em seus ossos, bem lentamente, uma explosão que sacudiu as docas de Luna e atingira a parede de pedra.
Virou a cabeça para trás e viu o comodoro cair em um rodemoinho de fumaça, por cima de barris deixados sozinhos.
Assustada, voltou-se para a frente e viu que o cais de Luna estava sendo bombardeado. Seu primeiro pensamento foi na direção dos navios de guerra que a haviam derrotado. A bordo deles, marujos desesperados pulavam na água, tentando escapar das explosões.
Da neblina mais adiante, algo saía.
Olhou para Cleena Tétis e algo em comum brilhou em seus olhos .
O formato claramente reconhecível de um mastro com velas se mostrou na fumaça branca. A neblina era iluminada por uma série de explosões que vinham de um lugar além da visão de Mizudinie. Comodoro Francis gritava pelo contra-ataque.
Um navio apareceu na noite escura. Outro Francis, outro mundo. A bandeira negra sorriu para as prisioneiras enquanto os navios de guerra eram vítmas dos canhões certeiros dos piratas.
E no convés! - Mizudinie não pôde impedir um sorriso ao ver seus amigos - todos eles - de pé na proa, vestidos como piratas e gritando por ela.
Sentiu sua corda se rompendo pela faca que Cleena Tétis guardara escondida. Gritou de volta pela sua liberdade. As explosões voltaram a ecoar na noite de chuva, o monstro se dirigiu à sua nova presa, o mar gritava pela sua escolhida!
Os piratas haviam chegado!

A escalada

Neyleen apoiou-se no galho maior e alçou-se para cima com a ajuda da pequena Fon.
- Cuidado, por favor; ela pediu. Sua voz era um suspiro no meio da mata.
Colocou as mãos juntas para cima e iniciou a escalada. Os pés seguiram e a elevaram novamente. Aos poucos Neyleen passava de galho em galho até a figura de Fon diminuir lá embaixo e eventualmente ficar escondida pela folhagem.
A árvore rangia e estalava a intervalos curtos. Tudo foi se silenciando e ecoando dentro dela enquanto subia. Como quando cantava, uma paz serena a invadiu e a fez ouvir algo que estava além. Os sons do mundo se abriram para um mistéria diferente que agora Neyleen escutava; era algo puro e intocado da floresta.
Subiu até ficar emaranhada por várias folhas e ramos das árvores menores. Com alguns gestos específicos percebeu que podia mover os galhos para passar. Pedia licença às árvores, no caso de algum espírito estar morando ali. Assim que passava as ramagens se fechavam de novo e bloqueavam o caminho da descida.
Neyleen percebeu que estava exausta. Subir nos galhos a cansara mais do que havia esperado. Sentou-se apoiada no grande tronco e fechou os olhos para prestar atenção aos ruídos que lhe chegavam.
Um tordo cantava ali perto. De outro galho vinha o martelar de um pica-pau. O som do vento nas folhas era diferente ali em cima, mais musical. Sua respiração apressada contrastava com o som sereno da floresta. Neyleen respirou mais devagar, como havia aprendido com Fon, do mesmo modo que fazia para cantar. Escutou os sons que o grosso tronco escondia em sua interior. Ouviu o seu ranger conversando com o vento e o som de algo fluindo em seu interior.
Ela ouviu um esquilo se aproximando antes que ele a visse; o pequeno animal assustou-se com a intrusa e fugiu correndo até outra árvore. De lá, ele espiou-a com interesse brilhando nos olhos.
Neyleen dicidiu continuar a subida. Levantou-se com cuidado e agarrou o galho acima. Percebeu que a claridade aumentava enquanto seguia, e que o vento ali também era forte. Como acabara de chover, toda a floresta se carregava de uma neblina fresca, uma transpiração vegetal que a envolvia carinhosamente. Aquela, ela pensou, era a respiração da mata, era a sua vida se elevando para o céu.
No próximo galho quase caiu. Recriminou-se por estar tão distraída e prometeu que não cairia e que voltaria para Fon lá embaixo. Começou a demorar-se mais, olhando bem por onde pisava.
Com sede e cansada, ela voltou a subir, ouvindo a algazarra de várias maritacas. Quando a viram, voaram todas juntas até a árvore vizinha, rindo alegremente. A neblina estava se desgrudando lenta das árvores molhadas pela chuva. Neyleen achou de uma indescritível beleza ver a transpiração das árvores voando lenta em um rio branco de nuvem. As maritacas cantavam barulhentas ao seu redor.
Os galhos iam se afinando, tornando tudo mais difícil. As copas das outras árvores se espreguiçavam ao sol, contentes. Toda a floresta parecia mais contente, exalando uma sensação de vida exuberante e preguiçosa, como se esticasse devagar os braços para alcançar o horizonte.
Neyleen via muitas aves voando ao seu redor e imaginava a quantidade de criaturas caminhando lá embaixo, sob as folhas. A árvore chegava ao seu fim mas a escolhida continuava a subir compenetrada.
Quando os galhos ficaram finos demais para continuar, ela percebeu o quanto havia subido. Estava agora no topo da árvore e tinha uma visão perfeita de toda a floresta.
Sentou-se no galho e se sentiu perfeitamente confortável.
Podia ver Neru lá de cima, um grande mar verde, vivo e denso. A neblina escapava das copas arborizadas e voava com as aves. Tudo era tão bonito ali. Tudo estava vivo e cantando respirando junto à ela.
Neyleen espiou a serra erguendo-se, os baixios escuros, os grandes olmos, o ondular parado do mundo. Neru, a grande floresta, se estendia para todos os lados. Neru, a grande mata selvagem, parecia infinita, como se constantemente estendendo seus ramos inexoráveis para engolir o mundo e deitar-se sobre ele. Sentada no galho, Neyleen se perguntou se algum dia conseguiria sair dali, do mar verde, verde que se alongava.
Balançou com o vento enquanto via a neblina branca cantar as árvores uma canção viva. Sentiu-se mais feliz do que nunca ao tentar escutar a canção que emanava da floresta.

terça-feira, janeiro 02, 2007

Uma história verdadeira

Meu pai, quando jovem, foi viajar para os estados unidos, conhecer os parentes e passear. Arranjou emprego em uma fábrica de velas, onde aprendeu a costurar e remendar velas para barcos. Um dia ele foi contratado para levar um barco de Nova Iorque até as Bahamas, para ser entregue ao cliente.
A viagem foi terrível, cheia de tempestades e tormentas, que desestabilizaram os outros tripulantes - um engenheiro elétrico que não conseguiu consertar os aparelhos que quebraram, um capitão meia-boca, alguns marujos e as esposas dos dois primeiros que ficaram doentes por toda a viagem - e assustaram o barco novo. Além do meu pai, só um dos outros marujos sabia como operar uma vela, o que vez da viagem um pesadelo acordado, em que a chuva e o escuro impediam-os de enxergarem perigos ou outros navios que passavam por esta rota. Com o perigo de baterem a qualquer momento, cresceu o nervosismo.
Como se nào bastasse, a tempestade os empurrou para fora da rota, direto para o Triângulo das Bermudas. Desesperado, o capitão tentou abandonar o navio e fazer os outros pularem em um Safety Raft para escapar de ir a pique. Meu pai e outros marinheiros tiveram que amarrá-lo ao mastro para que se acalmasse e não pulasse sozinho.
Depois de sobreviverem a tempestade incessante e ao Triângulo das Bermudas, conseguiram chegar às Bahamas e entregar o barco ao cliente.
Quem diria? Até hoje eu nunca havia ouvido essa história antes. Meu pai me contava sobre as aventuras do Tintin, do Arnold dos exploradores de Júlio Verne, mas nunca falou sobre as suas próprias aventuras, que eu agora descubro uma por uma, com surpresa.
Só descobri esta história porque a minha avó me mostrou um quadro pintado pelo meu avô, com um barquinho branco no centro de um grande rodemoinho colorido. Era meu pai, no Triângulo das Bermudas.

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Uma nova Hinée

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Ao girar da chave se encontra o mistério. Penélope abre a porta do Rio e se encontra com o mundo lá fora, cheio de sussurros cantados e segredos guardados.
Enquanto as gaivotas, em sua gargalhada final, voam por sobre o céu, o novo início se dá. O céu é claro ao redor de Mizudinie; tudo o que se vê é o mar doce e afável espreitando ingênuo.
Começo.
Quando o que havia antes - agora só uma lembrança bagunçada no fundo da memória - acaba em um tremendo vagalhão, vem o escuro, o escuro.
Depois do escuro há o hiato, a suspensão. Limiar atravessado, memória sucumbida. E então, então...
O calmo mar do início...
Hoshy segue as gaivotas e chega até a praia. Os pés sentem a maciez da areia como um carinho, fazem pegadas para estar no mundo. E depois - outro limiar - a mata escura, a selva, olha para nós. Irá Neyleen se aventurar na jângal além? Um passo pisado na terra sai da areia, um dedo que toca no galho.
Penélope gira a chave, encontra o mistério.
O mistério que se dá na respiração lenta do mundo.


- Estou começando outra HQ. Uh! Não sei bem se vou ter paciência para continuar e desenhar direitinho as páginas, mas Ah, é sempre bom tentar.
- Como você havia pedido, desenhei novas roupas para os personagens. Ficaram bem legais (algumas). É engraçado desenhar situações descontraídas de verão.
- Tenho muuuitos livros para ler. Ah sim, livros demais. É um pouco desesperador ver a enorme pilha, me encarando sarcasticamente como se dissesse "Você não vai nos ler Charles! Lero-lero-lero!". Comecei pelo Alberto Mussa (que não empaca) e por Robinson Crusoé. E pela Saga Otori. E por Neve (que eu já estava lendo). Ou seja, vou acabar lendo todos ao mesmo tempo, entrecruzados e revezando-se. Daqui a pouco vou falar de como Takeo traiu Lobo Larsen quando ficou perdido em uma ilha no meio da Índia onde neva sempre e teve que pagar pelo seu crime em um romance denso e divertido, mas ao mesmo tempo tristemente doloroso e simples. XoX.


Era uma vez um enorme oceano que cobria toda a terra. Exceto por um pequeno arquipélago de ilhas, todo o planeta era coberto de água e mais água. Xu era o nome de uma jovem heroína, que morava na aldeia de Zaosheng, e vivia feliz com sua avózinha. Um dia, toda a aldeia ficou doente de uma misteriosa pestilência, exceto por Xu. Triste e cansada, a jovem cuidou de todos os ilhéus do pequeno arquipélago, mas de modo algum a doença retrocedia; a cada dia que se passava pioravam os sintomas. Preocupada com sua avó e os outros, Xu partiu para o santuário dos deuses da pesca em busca de conselho. Ficou a noite inteira esperando por um auxílio, até que não aguentou mais e adormeceu; no sono, ela ouviu as vozes dos deuses cantarem para ela uma canção misteriosa, que ordenava que Xu pegasse sua canoa e remasse até o fim das águas, pelo enorme oceano.
Quando acordou, Xu estava assustadíssima, pois sabia que não havia nenhuma terra no mundo de mar além do seu pequeno e pacífico arquipélago. De todo modo, resolveu seguir os conselhos dos deuses para conseguir a Flor Prateada. De acordo com a canção ouvida no santuário, esta era a única forma de salvar os ilhéus da misteriosa doença. Pensando sempre em sua avó, Xu reforçou com madeira abençoada sua pequena canoa e, em um dia ensolarado e bonito, partiu para o oceano, acenando adeus aos seus amigos e parentes.
Remando valentemente pelas águas infindáveis, a jovem tinha apenas as palavras dos deuses para se guiar. "Além da água" ela ouvia, e remava e remava.
Muitos dias depois, Xu chegou, surpreendentemente, em um porto movimentado, cheio de marinheiros carregando caixas e trocando histórias, coisa nunca antes vista pela moça. Os habitantes chamavam aquela cidade de Novo Mundo, e diziam que moravam no centro do planeta, de onde partiam todos os dias muitos barcos e marinheiros, carregando temperos, buscando pessoas, mapeando costas e decifrando mistérios.
Caminhando desconcertada pelo porto barulhento, Xu perguntava para as pessoas pela Flor Prateada, capaz de impedir doenças. Todos a ignoraram e continuaram apressados, envolvidos em mil negócios e comércios, exceto por uma velha muito enrugada que acenou para Xu com um dedo magro e puído.
A garota se aproximou e ouviu a velha dizer que ouvira falar de uma história sobre uma Flor capaz de curar todas as doenças. Mas que se quisesse sobreviver deveria comprar um punhal de ouro da velha. Sem hesitar, Xu entregou todos os seus pertences que trouxera da ilha em troca do punhal dourado e agradeceu efusivamente pela ajuda da velha.
Sem medo, a donzela continuou a viagem em sua canoa - o único bem que sobrara além do punhal - na direção apontada pela velha enrugada. Remou mais dias e dias, passando por ondas gigantescas, gaivotas do tamanho de baleias que flutuavam sobre a superfície e peixes tão coloridos e enfeitados que até ofuscavam as estrelas, até que chegou a outro lugar inesperado: mais um pedaço de terra, uma ilha chamada de Nova Hinée. Diziam seus habitantes que houve uma antiga Hinée que afundara nas águas naquele mesmo local, de onde agora se elevava o altíssimo pico da nova ilha. O sacerdote do templo principal alojou Xu em aposentos confortáveis depois de ouvir sobre sua missãoe permitiu que ela ficasse na cidade para descansar. O sacerdote a avisou que a Flor Prateada se encontrava sim naquela ilha, mas no alto da enorme montanha, cheia de espinhos perfurantes ao seu redor.
A Flor era capaz de proporcionar a juventude eterna e a imortalidade para as pessoas que a pegassem, mas era cercada por tantos espinhos e tantas plantas venenosas que ninguém tinha coragem de chegar até o pico, atravessando uma muralha de morte e desepero, com espinhos que prendiam as roupas e carne das pessoas, impossibilitando-as de continuarem a escalada e embebendo-as em um veneno tão poderoso que destruía aos poucos a vontade dos que resolviam enfrentar a montanha pestilenta. Assim, a beleza da Flor nunca saiu da montanha, pois os habitantes de Nova Hinée nunca se atreveram a buscá-la, com medo de morrerem no caminho.
Tudo isso o sacerdote explicou para Xu, mas a moça estava decidida a enfrentar seu destino e escalar a montanha que se projetava acima das águas do oceano do mundo. Afinal, era preciso salvar as pessoas de seu pequeno arquipélago - sua avó principalmente - mesmo se contasse apenas com uma canoa velha e um punhal dourado.
continua...


Xu, ela também, virou a chave na fechadura e aceitou seu destino, qualquer que ele fosse. Terível e venenoso, sem dúvida. Solitário e doloroso, como o de Penélope talvez. Encantado e pesado, como o de Neyleen, quem sabe?
Na virada do verão, Hinée está diferente.
Novos oceanos para explorar.
Sejam bem vindos.